Google inicia sua batalha pela “moeda não oficial da internet”

Sem a divisão de seu monopólio em tecnologia de anúncios, o Departamento de Justiça (DOJ) argumenta, o Google encontrará outra forma de trapacear.

O Google passou uma década afiando suas “armas” em um setor que ajuda a sustentar grandes partes da internet aberta, argumentou o DOJ diante de uma juíza federal na segunda-feira. Após anos operando um monopólio ilegal em dois mercados de tecnologia de anúncios e vinculando seus produtos de forma ilícita, nada menos do que uma divisão seria suficiente para superar a “enorme vantagem inicial” do Google sobre os rivais, afirma o órgão.

A advogada do DOJ, Julia Tarver Wood, iniciou seus argumentos citando o alerta de Winston Churchill de que “aqueles que falham em aprender com a história estão condenados a repeti-la.” O governo defendeu que, a menos que a juíza Leonie Brinkema obrigue o Google a se dividir, a empresa quase certamente encontrará uma forma de recriar suas vantagens injustas, que deixaram os editores sem escolha a não ser usar seus produtos, mesmo quando estes se degradam em qualidade. Já a advogada do Google, Karen Dunn, rebateu dizendo que a “proposta radical e imprudente de 61 páginas do governo é um chute para as arquibancadas.”

O governo pede especificamente que o Google seja obrigado a vender seu AdX, que facilita transações entre editores que querem vender espaço em seus sites e anunciantes que desejam alcançar seu público. O DOJ também quer que o Google torne de código aberto a lógica final dos leilões de seu servidor de anúncios para editores, o DoubleClick for Publishers (DFP). Isso revelaria os critérios obscuros que determinam por que alguns lances vencem e outros não — algo que, segundo testemunhas, hoje só o Google conhece. Caso isso não seja suficiente para restaurar a competição, o DOJ quer manter a opção de obrigar a venda do DFP também.

O Google, que deve recorrer da decisão sobre o monopólio assim que a juíza emitir sua opinião sobre as medidas, defende mudanças comportamentais, como compromissos de não usar certas táticas de leilão e oferecer novas formas de integração e competição com rivais. Dunn afirmou que o Google poderia concluir o trabalho técnico para implementar isso em apenas um ano, contra mais de uma década das propostas do governo. Em vez de liberar concorrentes, disse Dunn, o governo quer tirar o Google da corrida de anúncios online por completo.

O que está em jogo

As ferramentas do Google para editores estão “no coração do que financia a internet”, disse Andrew Casale, CEO da concorrente Index Exchange. O DFP, usado pela vasta maioria dos editores americanos para gerenciar anúncios gráficos, atua como a “moeda não oficial da internet”, segundo ele, permitindo que tantos sites mantenham conteúdo gratuito.

No início do ano, a juíza Brinkema concluiu que o Google monopolizou ilegalmente o mercado de servidores de anúncios para editores, onde o DFP atua, e o de exchanges de anúncios, como o AdX. Também determinou que a empresa vinculou ilegalmente os dois produtos em benefício próprio. Assim, ao prender os editores em suas ferramentas, o Google direcionou uma fatia desproporcional da receita que mantém a internet gratuita para seus próprios sistemas.

Hoje, o Google exerce tanto controle que não aceita alterações contratuais em suas ferramentas para editores, disse Grant Whitmore, VP de tecnologia de anúncios da Advance Local, que opera sites de notícias regionais nos EUA. A base de anunciantes, única em tamanho e diversidade, só pode ser acessada de forma eficaz via AdX usando o DFP, o que garante a maior parte da receita. “Tivemos que aceitar coisas que nunca aceitaríamos de qualquer outro fornecedor”, afirmou Whitmore.

Para ele, o ideal seria que o tribunal separasse o DFP imediatamente, mas considera que as medidas propostas são um bom primeiro passo. “O Google já demonstrou sua capacidade de adaptar o negócio de forma a sempre lhe dar vantagem”, disse, justificando a necessidade de um monitor externo. Se mantiver toda sua suíte de tecnologia de anúncios, acrescentou, a empresa ainda terá muitas oportunidades de “inclinar a balança a seu favor.”

O DOJ alerta que as correções comportamentais propostas pelo Google deixam muita margem para fraude, escondendo condutas anticompetitivas no código complexo e nas estruturas opacas do setor. São “como colocar um curativo em um membro seriamente amputado”, disse Wood.

Os advogados do Google argumentaram que o DOJ está extrapolando sua autoridade e sugeriram que a cisão de seus produtos poderia prejudicar consumidores e até criar outro mercado concentrado, só que sob nova propriedade.

Como a decisão sobre busca se encaixa

O Google obteve uma vitória em Washington, DC, onde o juiz Amit Mehta recusou separar o navegador Chrome nas medidas para o caso de monopólio em buscas. (A empresa também já afirmou que vai recorrer dessa decisão). Para Wood, advogada do DOJ, os dois casos “não têm semelhança”. Chrome não era central no caso de buscas, argumentou, enquanto as ações ilegais do Google em anúncios envolviam diretamente o uso do AdX.

O Google, por sua vez, se apoiou na decisão de Mehta para pedir que Brinkema também fosse contida em sua opinião. Dunn alertou que Mehta reconheceu que a intervenção judicial poderia sair pela culatra — após um julgamento em que Sundar Pichai, CEO do Google, avisou que medidas excessivas poderiam minar os incentivos da empresa para melhorar o buscador e prejudicar a privacidade dos usuários. Brinkema chegou a sorrir quando Dunn comentou que, assim como o tribunal não podia garantir que seu sistema audiovisual funcionasse, o Google não poderia garantir que sua tecnologia funcionaria após uma divisão.

A inteligência artificial teve grande peso no caso de buscas, mas até agora seu impacto parece mais limitado neste julgamento. As duas primeiras testemunhas do governo disseram que ferramentas de IA estão abrindo novas categorias de inovação na tecnologia de anúncios, mas não alterando a função central da publicidade programática. O DOJ, porém, ressaltou que o império publicitário do Google lhe deu acesso a um volume gigantesco de dados brutos que alimentam sistemas de IA.

O Google provavelmente argumentará que novos desenvolvimentos da indústria — incluindo a IA — estão provocando uma mudança natural no setor, mesmo sem intervenção judicial. Dunn afirmou que a publicidade gráfica na web aberta vem caindo desde que o governo iniciou a investigação, ecoando a alegação de defesa do Google de que medidas duras apenas “acelerariam” a ruína de uma web aberta “já em rápido declínio.” (Depois, a empresa corrigiu o documento para especificar “publicidade gráfica na web aberta.”)

Remédios fortes — incluindo a divisão — são necessários para restaurar a concorrência nos mercados que sustentam a publicação online, defendeu Wood. “Sem isso, meritíssima, para que foi tudo isso?”

O autor:

Redator desde 2019. Entusiasta de tecnologia e criptomoedas.