Stablecoins entram no câmbio e elevam foco no IOF no Brasil

Stablecoins se tornam operações de câmbio e o IOF se torna um foco: mudanças com as recentes diretrizes do Banco Central
O novo conjunto regulatório para criptoativos, apresentado pelo Banco Central no dia 10 de novembro, transforma de forma significativa a forma como as transações internacionais envolvendo stablecoins são tratadas no Brasil. Além disso, é a primeira vez que a autoridade monetária reconhece esses ativos, que têm como respaldo moedas fiduciárias como o dólar, dentro das regras do sistema cambial do país. Essa alteração começará a valer em fevereiro de 2026 e marca um momento crucial para empresas, investidores e a própria base legal que orientava o uso dessas moedas digitais no território nacional.
Até agora, as transações com stablecoins ocorriam em uma área cinza. Embora funcionassem como operações internacionais na prática, a regulação não as reconhecia como câmbio. Esse cenário possibilitava transferências rápidas, globais e relativamente baratas, sem a aplicação das normas tradicionais de controle de capitais. Com a nova decisão, essa movimentação deixa de operar completamente fora do sistema financeiro em que estamos inseridos e passa a se integrar de maneira mais estruturada a ele.
Stablecoins agora são formalmente reconhecidas como operações de câmbio
A Resolução 520 classifica pagamentos, remessas e transferências internacionais com ativos virtuais como operações cambiais formais. O Banco Central agora exige que as empresas que prestam serviços de ativos virtuais obtenham autorização específica para atuar nesse segmento. Assim, essas transações passam a seguir o mesmo nível de supervisão histórica que se aplica às instituições bancárias. A compra, venda ou troca de stablecoins entre entidades brasileiras e estrangeiras passa a seguir a mesma estrutura regulatória que rege o comércio do dólar.
O Banco Central também impôs novas limitações. A norma limita a US$ 100 mil as transações com contrapartes que não são instituições autorizadas e proíbe o uso de dinheiro nacional ou estrangeiro. Essa mudança incorpora essas operações ao regime cambial e amplia as responsabilidades de monitoramento, identificação e conformidade que acompanham essa alteração.
Perspectivas para a aplicação do IOF
Embora o BC não aborde questões tributárias, o novo enquadramento regulatório cria as bases técnicas para que a Receita Federal, futuramente, aplique o IOF em determinadas operações envolvendo stablecoins. Atualmente, as autoridades tratam stablecoins como criptoativos e não como moeda estrangeira, o que mantém o ativo isento de IOF. Contudo, ao reconhecê-las dentro do sistema cambial, o BC elimina o impedimento que barrava uma futura cobrança desse imposto.
Especialistas do setor afirmam que uma norma da Receita será um passo natural, ainda mais considerando a busca por aumento de arrecadação.O mercado ainda tenta entender quais operações o governo pretende tributar. Existem argumentações jurídicas robustas que afirmam que stablecoins não se qualificam como moedas do ponto de vista legal. Há também quem defenda que o reconhecimento cambial pode ter sido realizado apenas para efeitos de reporte e não para fundamentar a tributação. Isso abre espaço para possíveis contestações judiciais caso o IOF seja amplamente aplicado.
Neste momento, a cobrança não é automática. A Receita Federal definirá a regulamentação específica e, portanto, esse será um dos principais pontos de discussão em 2026.
Rastreabilidade e obrigações de reporte ganham importância
O novo enquadramento cambial trouxe exigências adicionais de rastreamento. As organizações do setor, agora denominadas PSAVs, precisam identificar as partes envolvidas nas operações, confirmar a origem e o destino dos fundos e reportar mensalmente ao Banco Central todas as transações internacionais que realizarem. Isso inclui também atividades que envolvem carteiras sob controle direto do usuário, em que ele possui a própria chave privada.
Essas informações integrarão as estatísticas oficiais sobre câmbio e capitais estrangeiros a partir de maio de 2026. Na prática, o Banco Central e a Receita Federal agora supervisionam o fluxo que antes era descentralizado e difícil de monitorar, cada uma usando seu próprio conjunto de dados.
Impactos práticos para investidores e empresas
A nova regulamentação traz tanto regras quanto limitações. As autoridades não devem tratar transações internas com stablecoins dentro de uma única exchange brasileira como câmbio. Porém, elas classificam transferências para exchanges internacionais como remessas internacionais e aplicam a legislação cambial vigente. Portanto, até mesmo uma simples transferência de USDC para uma plataforma global se tornará mais burocrática, mais vigiada e, possivelmente, mais onerosa no futuro.
Empresas estrangeiras sem a autorização do Banco Central poderão não estar acessíveis aos usuários brasileiros. Instituições financeiras e PSAVs deixarão de intermediar transações com essas empresas, o que limitará a liberdade de operação dos investidores e restringirá o acesso a plataformas internacionais que ofertam produtos ainda indisponíveis no Brasil.
Para as companhias brasileiras, a exigência de monitorar carteiras autocustodiadas, reportar mensalmente ao regulador e seguir as normas de prevenção à lavagem de dinheiro implica aumento nos custos regulatórios. Essas demandas podem favorecer corporações maiores e com mais recursos e, assim, comprometer a competitividade do mercado nacional.
IOF sobre stablecoins lastreadas no real: um debate crescente
A proposta de instituir IOF sobre stablecoins atreladas ao real gerou controvérsias. Para empresas como a SmartPay, aplicar IOF a uma stablecoin vinculada ao real equivale a exigir IOF sobre o Pix. Isso seria economicamente ilógico, já que essas moedas atuam como representações digitais do próprio real.
Além disso, quem emite stablecoins brasileiras precisa assegurar a paridade total no resgate. Cobrar impostos tanto na entrada quanto na saída desses tokens criaria um sistema desequilibrado, desestimularia a adoção e reduziria a competitividade do Brasil em um setor no qual poderia se destacar.
Um sistema mais claro e um ambiente mais volátil
A classificação das stablecoins como câmbio proporciona maior clareza nas normas e reforça os mecanismos de supervisão. No entanto, também inaugura um período de incerteza regulatória e jurídica. Dependendo da abordagem adotada pela Receita Federal, o país poderá construir um ambiente moderno e competitivo ou repetir erros do passado com regras que encarecem operações e reduzem a inovação.
O impacto final dessa alteração dependerá da próxima decisão. O Banco Central já divulgou a normativa. Agora o mercado aguarda a definição que realmente moldará o futuro das stablecoins no Brasil: como e se o governo vai implementar o IOF.