Entendendo criptomoedas: como surgiram os bancos centrais
Para entender as criptomoedas, é preciso entender como surgiram os bancos centrais
Continuemos aquela história que eu comecei ontem. Paramos no seguinte ponto: as famílias ricas agora tinham a capacidade de “imprimir dinheiro”, que eram notas promissórias. Essas promissórias passaram a competir com o dinheiro do governo, que não ficou muito satisfeito.
E então, qual foi a solução do governo? Algo muito comum hoje no sistema financeiro: títulos do governo. Para financiar as guerras das nações europeias, as famílias ricas emprestavam dinheiro para o governo, que emitia sua própria promissória. É o início da “dívida soberana”. Nesse ponto, já estamos no fim de 1600, enquanto Inglaterra e França travam sua guerra.
Nesse ponto, é criado o Banco Central da Inglaterra, para financiar tal conflito. A melhor parte: o banco central era privado. A instituição emitia notas, que poderiam ser trocadas por quantias de ouro existentes em seus cofres – sendo também responsável por administrar toda a dívida da coroa. A dívida do estado se tornou um poderoso lastro para a instituição.
O conceito de soberania por meio da impressão de dinheiro fica claro quando os Estados Unidos, ao se tornarem independentes da Inglaterra, colocaram no primeiro artigo de sua nova Constituição que o Congresso era o responsável por emitir dinheiro.
Nesse ponto da história é quando o mundo do dinheiro fica estranho, principalmente na terra do Tio Sam. Diversos tipos de bancos surgiram, estatais e privados, gerando certa imprevisibilidade na esfera financeira – algo que bancários e o estado abominam. Quando o dinheiro fica imprevisível, fica difícil controlar seu rumo.
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Surgimento dos bancos centrais
Desta forma, em 1913, banqueiros e políticos decidiram que seria melhor criar um Banco Central permanente, responsável único pelo dinheiro em circulação. Nasce a Reserva Federal dos Estados Unidos. O dólar foi pareado com o ouro e tudo estava ótimo, até a 1929 – ano da Grande Depressão. Este colapso econômico impactou o sistema financeiro mundial.
O então presidente Roosevelt, emitiu uma ordem ordenando que os cidadãos estadunidenses vendessem todo o ouro que detinham para a Reserva Federal por um preço fixo, para voltar a valorizar o dólar – tendo em vista que a Reserva imprimiu quase todo o dinheiro legalmente possível. Além disso, os EUA começaram a comprar o ouro de nações estrangeiras, que eventualmente venderam.
Os Estados Unidos pagaram pelo ouro com dólares, fazendo com que a moeda se espalhasse pelo mundo. Então, veio a Segunda Guerra Mundial, cujo palco foi a Europa. Note que, apesar do incidente em Pearl Harbor, os Estados Unidos saíram “ilesos”, enquanto as nações europeias ficaram devastadas. Foi a oportunidade do Tio Sam subir no palco e assumir o protagonismo do sistema financeiro. O dólar, que havia sido difundido há alguns anos atrás, tornou-se a moeda mais confiável do mundo.
Vamos resumir o cenário para que ninguém fique perdido: os Estados Unidos compraram muito ouro logo antes da Segunda Guerra Mundial, espalhando o dólar pelo mundo. Isso fez com que: a) o dólar estivesse presente no globo; b) os EUA detivessem grandes reservas de ouro, que ainda servia de lastro para as moedas. Foi então que surgiu o Tratado de Bretton Woods, que elegeu o dólar como a “moeda do mundo”.
Fim do padrão-ouro
A partir daí, a história segue o fluxo que conhecemos mais ou menos. Os governos começaram a praticar novamente a “degradação”, que é o fenômeno no qual as moedas começam a ser impressas em metais menos preciosos que o ouro, desvalorizando a moeda. Em conjunto, mais dinheiro começou a ser impresso além do lastro de ouro. Inflação, damas e cavalheiros. Mas piora.
Ao entrar em guerra com o Vietnã, os Estados Unidos imprimiram muito mais dinheiro do que suas reservas de ouro, mas o dólar ainda tinha lastro direto com o mineral para os países de fora. Isso criou um descompasso econômico, uma vez que os Estados Unidos gastavam três centavos de dólar para imprimir cem dólares – e trocavam estes cem dólares por uma quantia em bens equivalente a cem dólares. Resumindo: com três centavos, os Estados Unidos compravam cem dólares em produtos.
Os países notaram isso, em especial a França, e passaram a recusar os dólares – somente ouro agora era aceito nas transações internacionais. Em 1971, o presidente dos Estados Unidos à época, Nixon, “resolveu” este impasse: chega ao fim o padrão-ouro, que vinculava as moedas ao mineral.
Confiar ou não confiar? Eis a questão…
Voltamos à estaca zero: o único lastro da moeda do mundo, o dólar, está na fé de que os Estados Unidos são solventes – assim como os Medici em Florença. É isso, o dinheiro passou a se basear em confiança. Mas vamos entender isso melhor.
Os Estados Unidos agora contam com uma moeda baseada apenas em confiança, que também é a “moeda do mundo”. O Tio Sam pegou dinheiro emprestado com outros países para cobrir seus gastos ao longo dos anos após a Guerra do Vietnã. Certo, mas o que isso quer dizer?
Quer dizer que o Tio Sam está quebrado, moçada. E quando o governo está quebrado, pagando mais juros de suas dívidas do que ele arrecada, ele imprime mais dinheiro – ele estica o dinheiro. E como as moedas são criadas? O governo primeiro cria títulos ou letras do tesouro, que são vendidos no mercado, gerando recursos para o governo.
Muita atenção agora, pois é aqui que as coisas ficam absurdamente interessantes: quem compra os títulos são os bancos, que revendem eles para o banco central do país. Você já se perguntou como é uma máquina mágica que imprime dinheiro? Bom, é assim que ela se parece.
Vamos nos aprofundar: o banco central não tem dinheiro. Quando o banco vende o título para o banco central, ele só manda um grande “VALEU” para o banco. Contudo, na prática, o banco acrescenta esse valor em suas contas. Não surgiu dinheiro, pois o banco central nunca teve dinheiro. O que apareceram foram números surgidos do ar nas contas do banco. Não é tão difícil agora acreditar nas criptomoedas, tendo em vista que você está lidando com dinheiro mágico!
Você tá se sentindo otário? Piora. Isso já acontece por mais de cem anos. Sim, somos feitos de otários desde nossos bisavós. Então ficamos nessa: os bancos vendem dívidas para o banco central, que depois paga aos bancos. O dinheiro mágico só vai empilhando, quando na verdade ele não existe.
“Ah meu Deus, e agora?”, você me pergunta. Eu já falei demais, amanhã a gente conclui esse papo.
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