Opinião: O ditador de El Salvador e seu desejo por Bitcoin
Líder do país está afundando a economia por conta de péssimas escolhas; entenda os principais motivos que estão levando a população e o governo à ruína.
Bukele, o ditador
A afirmação presente no título não foi feita por mim, e sim pelo próprio Nayib Bukele, líder de El Salvador. Em suas aparições oficiais, faz uso de vestes descoladas e joviais, óculos escuros e boné com a aba virada para trás, tal como um “influenciador digital” no conforto de sua casa.
Porém, por trás de sua falaciosa serenidade, reside uma cruel realidade: 40% da população salvadorenha vive na pobreza e 9% encontra-se abaixo da linha da miséria. A decisão de usar o Bitcoin como moeda de curso forçado foi uma das piores decisões ao longo de sua ditadura.
Roadmap do fracasso
Em setembro de 2021, Bukele legalizou o Bitcoin no país, tornando-o uma peça obrigatória em estabelecimentos comerciais. Cerca de 2.301 BTC foram comprados com verba pública para sustentar os caprichos equivocados do ditador.
Os próprios empresários, diga-se de passagem, não responderam positivamente à determinação do governo: segundo o El País, ainda naquele mês, protestos ocorreram em oposição à obrigatoriedade.
Bukele, conforme esperado, alegou que a comunidade internacional financiou os movimentos de oposição.
Problemas técnicos gravíssimos relacionados à Chivo foram rapidamente explorados: golpistas conseguiram roubar bitcoins por conta de falhas de segurança e privacidade. Meses depois (sim, meses), o governo resolveu assumir alguma responsabilidade e garantiu que a carteira seria corrigida.
A queda no valor do Bitcoin está afetando diretamente os cofres públicos: segundo informações do Bloomberg, o patrimônio em cripto do governo caiu 35% desde sua aquisição. O ministro de Finanças de El Salvador disse que a queda assustou potenciais compradores de um título apoiado em Bitcoin. Seu valor é de US$ 1 bilhão.
Um de seus projetos mais ambiciosos é a Bitcoin City. Em resumo, trata-se de um lugar sem impostos e financiado por títulos de criptomoedas. Porém, devido às dificuldades financeiras enfrentadas pelo governo e à queda dos preços do ativo, o projeto não parece estar caminhando satisfatoriamente.
O objetivo da Bitcoin City é reviver La Unión, cidade abandonada à própria sorte pelo governo salvadorenho. Há poucos comércios locais e seu porto está desativado há muito tempo, ignorando seu potencial econômico.
Realidade
Bukele, “o ditador mais legal do mundo”, tenta tornar uma moeda de tecnologia descentralizada e distribuída em um ativo de curso forçado. Como resultado, grande parte da população a rejeita, pois não faz ideia do que se trata, como usá-la, suas vantagens e desvantagens etc.
Segundo o InfoMoney, 91% dos salvadorenhos ainda preferem o dólar americano para realizar suas negociações. A primeira impressão deixada pelo ditador definitivamente não causou efeitos positivos em relação às finanças descentralizadas.
Além disso, a queda no preço médio do Bitcoin afetou diretamente a performance do governo e freou seus supostos projetos futuros. Enquanto isso, há uma população insatisfeita e desconfiada, sem qualquer perspectiva a respeito da insana canetada de Bukele.
Verdade seja dita, Bukele não deu sinais de desistir de sua ideia tão cedo: afinal, ele sabe que a primeira criptomoeda do mundo tem seus altos e baixos, mas sempre mantém suas características deflacionárias. Pode ser que seus planos autoritários sejam paralisados temporariamente, mas não em definitivo.
Sem muita saída, jovens de El Salvador integram as pandilhas, como são chamados os locais onde o crime e a violência perduram há décadas. Em vez de tentar combater a miséria com inteligência, o ditador tenta dissolver a Assembleia Nacional. Dois anos atrás, ele invadiu o local com militares.
Elaine Tavares, diretora de comunicação do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC, foi certeira em afirmar que a “mão dura” contra o crime é uma cortina de fumaça para ocultar o descaso com a população. O “estado de exceção” imposto por Bukele é, na verdade, uma farsa, assim como seu suposto projeto de inclusão digital.
Jornalista, trader e entusiasta de tecnologia desde a infância. Foi editor-chefe da revista internacional 21CRYPTOS e fundador da Escola do Bitcoin, primeira iniciativa educacional 100% ao vivo para o mercado descentralizado. Foi palestrante na BlockCrypto Conference, em 2018.