Atlas e 3xBit: a problemática da custódia no mercado cripto

Nesse texto abordarei a relação da 3xBit e da Atlas com a custódia no Brasil, além de uma explicação geral sobre investimentos e FGC

Atlas e 3xBit, duas empresas brasileiras de criptomoedas que tem causado muita dor de cabeça aos investidores por um problema em comum: custódia de ativos. Esse certamente não é um tema simples de se abordar (mas tentarei mesmo assim), mais ainda pela delicadeza e “novidade” do assunto. Aqui a palavra “novidade” aparece dentro de aspas por um motivo bem singelo: não é uma novidade de fato.

Embora o mercado cripto seja, de fato, muito novo (apenas uma década, aproximadamente), os preceitos de mercado financeiro já existem há muito mais tempo: em 1929 a bolsa de Nova Iorque estava quebrando; em 1964 já tínhamos o Conselho Monetário Nacional; em 1976 foi criada a Comissão de Valores Mobiliários do Brasil (CVM).

O que quero dizer aqui é que, no Brasil e no mundo, mercado financeiro e empresas de investimento não são coisas novas. As diferenças existem, e isso é inegável, mas justificar os problemas apenas com “é um mercado novo” não me parece ser suficiente.

O problema é muito maior. Falamos de total e absoluta inexistência de educação financeira na população brasileira. Para se ter ideia, relatei aqui recentemente como 2019 já pode ser considerado como o ano das pirâmides financeiras no Brasil, com um número recorde de denúncias junto à CVM.

Mas por que estou falando tudo isso? Basicamente para apontar que as pessoas desconhecem a questão da custódia.

Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e Fundos de Investimento

Antes de falar especificamente da custódia, vamos conjecturar que um brasileiro médio comum está querendo investir seu dinheiro. Vamos supor ainda que essa pessoa se chama Pedro e possui um capital total de 10.000 reais.

Se Pedro decidir investir pelos modelos tradicionais, irá rapidamente se deparar, dentre outros, com a poupança, Tesouro Direto, LCI, LCA, CDB, Letra de Câmbio, fundos de investimentos, bolsa de valores… a lista é grande.

Os perfis para os mais diversos tipos de investimentos divergem, existindo pessoas arrojadas e pessoas conservadoras (além de um mar de gente que fica no meio do caminho entre os dois). Suponhamos que Pedro tem um perfil de investidor arrojado. Isso significa que ele aceita assumir mais riscos, desde que a sua recompensa também seja maior.

Dos investimentos mencionados acima, fundos de investimentos e bolsa de valores seriam as opções mais adequadas para Pedro. O problema é: embora conveniente para o argumento exposto nesse texto, as duas opções citadas não são protegidas pela FGC.

Ora, mas que diabas é FGC afina? O Fundo Garantidor de Crédito, usando as palavras do BTG Pactual é:

“[…] uma entidade privada sem fins lucrativos, mantido com recursos das instituições financeiras cujo objetivo é manter a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional.”

Trata-se de um garantidor. Com o FGC, investimentos de até R$ 250.000 (por cpf) são protegidos contra fraudes, intervenções ou a simples quebra da empresa onde o dinheiro foi investido. Ou seja, o investidor de perfil mais conservador tem inúmeras opções extremamente seguras pra investir seu dinheiro. O risco é baixo, mas o retorno também.

Mas não vamos nos esquecer de Pedro. Lembrem-se que ele possui um perfil arrojado e, por isso, prefere investir em um fundo de investimento – Pedro é um cara legal e escolheu isso para facilitar minha explicação da custódia relacionada à Atlas e 3xBit. Obrigado Pedro! – Esse fundo de investimentos, por sua vez, não é coberto pelo FGC. Isso faz desse fundo algo inseguro? Pedro não deve permitir que esse fundo tenha custódia do seu capital? Não necessariamente.

Custódia

Demorou, mas enfim chegamos na questão da custódia. No momento em que Pedro decide investir em um fundo de investimento, além da taxa de manutenção (que geralmente varia entre 1 e 4% ao ano), Pedro está aceitando dois pontos: o rendimento não é fixo, dependendo do desempenho do fundo, e a custódia do dinheiro agora é de responsabilidade daquele fundo de investimento.

Com o dinheiro de Pedro, o gestor do fundo de investimentos usado como exemplo irá tentar multiplicar o valor, pagando uma porcentagem do lucro para seu investidor. Em caso de prejuízo, Pedro terá que aceitar a perda, afinal de contas, isso era parte do acordo.

No fim do prazo estipulado a custódia do fundo será encerrada e Pedro poderá reaver seu dinheiro, já com a dedução do imposto de renda. Tudo muito simples, certo?

A parte dessa história que não te contei é que os fundos tradicionais trabalham com mecanismos de transparência para informar a situação dos investimentos aos clientes. Relatórios semanais/mensais, histórico de operações, dados referentes aos investimentos realizados, além da credibilidade de anos de mercado que muitos fundos possuem.

“Ok, já entendi, mas o que isso tem a ver com a Atlas e a 3xBit?” Custódia, eu te respondo.

A SunoResearch explica a custódia como:

“[…] o serviço de guarda, manutenção, atualização e exercício de títulos e ativos negociados no mercado. Com ela, os direitos dos títulos adquiridos ficam depositados em nome dos investidores, sob a responsabilidade de uma terceira parte – o custodiante.”

Fica claro então que custódia está relacionada ao conceito de confiança. Lembre-se disso, pois é parte fundamental dos problemas que envolvem o mercado cripto.

Voltando aos fundos, podemos apontar que um fundo de investimentos possui dois riscos principais: desvalorização e fraude. Pesquisando de maneira adequada antes de investir em um fundo, verificando relatórios e o histórico de anos anteriores, investir em um fundo tem tudo para não ser uma dor de cabeça.

Pode haver prejuízo pelas operações, mas provavelmente ninguém sumirá com o seu dinheiro. A custódia do seu dinheiro é de responsabilidade daquela empresa e, portanto, ela deve agir de forma responsável com o mesmo.

No caso da 3xBit e da Atlas Quantum temos situações muito semelhantes ao que ocorre em um fundo de investimento. Você concede a custódia do seu dinheiro para que um gestor invista e gere lucro. Infelizmente, nesses dois casos, isso ocorreu apenas na teoria.

3xBit e o “leasing”

Durante o ano de 2019 fizemos a cobertura de todo o problema que envolvia as demissões em massa e o leasing da 3xBit, além dos problemas enfrentados pela Eletropay, dona da 3xBit. Você pode ler esses textos clicando aqui, aqui e aqui.

O mais recente episódio da novela 3xBit foi noticiado hoje pelo Portal do Bitcoin, onde é mostrado um vídeo vazado em que o CEO da 3xBit, Saint Clair de Izidoro, diz em reunião com investidores que eles devem “alugar” seu Bitcoin parado para ele. Você pode conferir o vídeo abaixo:

 

Ou seja, ao invés de realizar a tradicional atividade de HOLD do mercado cripto – onde seu capital fica sujeito às subidas e descidas do mercado – Saint Clair sugeria aos investidores que adentrassem à modalidade de leasing da 3xBit.

A custódia era cedida para a empresa e essa, sob contrato, ofereceria um rendimento fixo mensal. Obtivemos relatos de contratos com rendimentos de 10% ao mês, o que mostra claramente quão inviável é a operação.

Aqui a empresa assume a custódia do ativo de seu cliente e, com base na confiança criada, gerencia o valor, devendo respeitar o contrato e devolver o ativo junto com o lucro no final do prazo estipulado. Entretanto, isso foi tudo o que a 3xBit não fez.

Assumindo mais de 1100 Bitcoins sob sua custódia, a 3xBit além oferecer rendimentos que jamais seria capaz de cumprir (de forma sustentável), ainda quebrou a confiança do investidor inviabilizando o retorno do investimento. A custódia se tornou um rapto de capital. Os meses se acumulam e não se vê nem sinal da liberação do valor pertencente aos investidores.

Atlas Quantum

Os clientes da Atlas enfrentaram um cenário parecido com o vivido pelos clientes da 3xBit. Confiança violada e rapto de capital. Já são mais de seis meses sem poder realizar saques na plataforma, com o diferencial em relação à 3xBit de que aqui os rendimentos não eram fixos.

Envolvida em supostos bloqueios em exchanges estrangeiras – posteriormente desmentidos pelas próprias exchanges – a Atlas diz não conseguir acessar os fundos dos clientes e, por isso, não é capaz de liberar os saques.

Em suma, tanto Atlas quanto 3xBit realizaram a mesma atividade: ofereceram um fundo de investimento que prometia alta lucratividade em um curto espaço de tempo. O não cumprimento dos dois acordos violou a confiança dos investidores, tornando esses casos meras estatísticas para encorpar a desconfiança que envolve todo o mercado cripto.

O que mais elas tinham em comum? Não possuíam transparência, expunham o capital dos investidores de forma irresponsável e mentiam sobre suas reais atividades.

Se ao final desse texto ainda cabe um conselho, esse seria: se for investir em algo não coberto pelo FGC entenda como são feitas as auditorias e relatórios, pesquise o histórico e tenha certeza de que a empresa não expõe seu capital a riscos desnecessários. Como sempre dizemos por aqui, invista com inteligência!

Foto de Marcelo Roncate
Foto de Marcelo Roncate O autor:

Redator desde 2019. Entusiasta de tecnologia e criptomoedas.