Bitcoin à deriva: fundamentos, ciclos e a retração dos gigantes

Um mercado em pausa técnica
Após semanas de forte oscilação, o Bitcoin recuou quase 20% desde as máximas históricas alcançadas em outubro de 2025. Embora a volatilidade faça parte do DNA do ativo, analistas observam que o movimento recente reflete uma combinação de fatores estruturais e macroeconômicos. Além disso, a crescente adoção de stablecoins e o enfraquecimento do apetite por risco nos mercados globais reforçam o cenário de cautela.
O preço do Bitcoin chegou a cair abaixo de linhas técnicas críticas, sinalizando possível confirmação do topo do ciclo. Apesar de uma leve recuperação — o BTC voltou acima de US$ 103.000 — o mercado ainda se mostra dividido entre esperança e descrença.
Stablecoins roubam a cena e drenam liquidez
Nos últimos meses, as stablecoins ganharam tração e se consolidaram como uma ponte entre o sistema financeiro tradicional e o universo cripto. Tokens lastreados em moedas fiduciárias, como o dólar, oferecem estabilidade e utilidade, reduzindo a volatilidade que afasta investidores conservadores.
Empresas globais vêm ampliando o uso dessas moedas digitais estáveis. A Western Union lançou em outubro um produto de remessas com stablecoins; a Visa expandiu sua liquidação on-chain para pagamentos diretos em tokens estáveis; e a Zelle integrou stablecoins em seu ecossistema de pagamentos. Esses movimentos sugerem que o dinheiro digital seguro e rápido está, de fato, conquistando espaço — e parte desse fluxo vinha antes para o Bitcoin.
Portanto, à medida que essas alternativas se tornam confiáveis, escaláveis e interoperáveis, elas retiram parte da liquidez que sustentava o BTC como meio de transação. O ativo, antes visto como “moeda digital universal”, cede espaço à função de reserva especulativa, perdendo momentaneamente relevância operacional.
Aversão ao risco domina o cenário global
Além dos fatores internos do setor, o ambiente macroeconômico adiciona pressão sobre o Bitcoin. O aumento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China reacendeu o temor de tarifas e desaceleração global. Em períodos de incerteza, os investidores tendem a priorizar ativos defensivos, como títulos do Tesouro e ouro.
Mesmo sendo chamado de “ouro digital”, o Bitcoin ainda responde ao humor do mercado. Assim, quando cresce a aversão ao risco, o ativo tende a acompanhar a cautela generalizada. Em 2025, a liquidez global diminuiu, e o ciclo de cortes de juros não foi suficiente para reverter a postura defensiva dos grandes fundos.
De forma semelhante, o S&P 500 e o ouro superaram o desempenho do Bitcoin no acumulado do ano, o que reforça a ideia de que o capital migrou para alternativas mais previsíveis.
Ciclo natural e sinais técnicos de exaustão
Outro fator essencial é o comportamento histórico do próprio Bitcoin. O ativo costuma seguir um ciclo de quatro anos, iniciado após cada halving — o evento que reduz pela metade as recompensas de mineração. O padrão se repete: acumulação, alta, distribuição e correção.
O halving de 2024 impulsionou o mercado, alimentado por aprovações de ETFs e influxo institucional. No entanto, com o esgotamento do ímpeto comprador, o ativo entrou na fase de arrefecimento. Analistas destacam que múltiplos fechamentos semanais abaixo da média móvel de 50 semanas — atualmente em torno de US$ 102.000 — sinalizam a confirmação do topo do ciclo.
Michael Nadeau, fundador do The DeFi Report, descreve o momento como uma transição entre esperança e descrença. Ele lembra que BTC, ETH e SOL perderam suas médias móveis de 50, 100 e 200 dias, demonstrando enfraquecimento do momentum. A próxima região de suporte relevante está na média móvel de 200 semanas, perto de US$ 54.700.
Queda na demanda e pausa dos grandes compradores
Outro componente importante vem do comportamento dos ETFs e das grandes tesourarias corporativas. Desde 10 de outubro, os ETFs de Bitcoin registraram saídas líquidas de US$ 1,4 bilhão. O principal detentor institucional — a Strategy — reduziu drasticamente suas compras, acumulando apenas 12.200 BTC nos últimos três meses, após adquirir 476.000 BTC entre 2023 e meados de 2025.
Esse esfriamento é relevante, pois a Strategy representa cerca de 65% de todo o mercado corporativo de Bitcoin. A ausência de novos fluxos indica que a demanda institucional entrou em modo de espera.
Em paralelo, dados on-chain apontam que detentores de longo prazo estão vendendo mais, marcando a terceira onda de distribuição do ciclo atual. Historicamente, novos impulsos de preço só ocorrem quando essa fase dá lugar à recomposição de carteiras de longo prazo.
Um período de correção dentro da normalidade
Mesmo diante da queda, analistas destacam que o movimento não representa o fim da narrativa do Bitcoin, mas sim um ajuste técnico dentro de um ciclo natural. Os fundamentos — escassez programada, descentralização e resiliência de rede — permanecem intactos.
A retração atual reflete a transição de um mercado superaquecido para uma nova fase de consolidação. Além disso, a presença crescente de stablecoins e o realinhamento de fluxos institucionais indicam que o ecossistema cripto está amadurecendo.
Assim, enquanto o Bitcoin se ajusta à sua curva histórica, o mercado se reorganiza. As quedas podem até testar o otimismo, mas, historicamente, é nesses momentos que as bases para a próxima recuperação começam a ser construídas.