Criptomoedas são realmente moedas?

Especialista em economia e ciências sociais, Farid Kahhat dá sua visão sobre o assunto

Como se sabe que uma entidade política se qualifica como um estado soberano? Isso era fácil no passado: uma entidade era soberana se pudesse impor àqueles que vivem em seu território o pagamento de impostos, serviço militar e uma moeda legal. Depois que o serviço militar obrigatório desapareceu em muitos países, o surgimento de criptomoedas como o bitcoin está levantando dúvidas sobre o monopólio estatal, ou pelo menos o monopólio formal de que desfrutava, ao emitir dinheiro.

Entretanto, chamar entidades como o bitcoin de “moeda” é, de fato, usar a palavra metaforicamente. Criptomoedas de fato realizam certas funções de uma moeda (como servir como uma forma de pagamento), mas a experiência sugere que essa não é sua principal utilidade. Alguns bancos centrais e órgãos reguladores de fato se referem a eles como ativos criptográficos. Eles são mais especificamente vistos como instrumentos financeiros, como títulos ou ações.

Isso está longe de ser um debate arcano, pois sua conclusão determinará a maneira pela qual as autoridades irão regular essas entidades (eu as chamo de entidades, pois o consenso sobre sua existência não se estende ao que elas realmente são). Por exemplo, seus donos deveriam pagar impostos? Em caso afirmativo, seriam impostos sobre rendimentos ou ganhos de capital? Sua definição também estabeleceria os riscos que seu uso implica (como dinheiro ou lavagem de ativos ou evasão fiscal). Há evidências, por exemplo, de que as criptomoedas são habitualmente usadas (geralmente ilegalmente) nas chamadas transações de “lavagem de dinheiro”, ou criptografia fictícia, destinadas a aumentar seu valor.

 O Petro é diferente porque é apoiado por um estado.

Dois desenvolvimentos recentes adicionam relevância a essa discussão. Um se trata da nova criptomoeda do Facebook, a Libra; o outro, a versão do governo venezuelano, o Petro. Esta última destinava-se a permitir o acesso do governo venezuelano a recursos em um contexto de sanções internacionais e escassez de divisas. Dizemos que o Petro é uma criptomoeda porque é assim que o governo venezuelano o define. Na verdade, o Petro carece de dois dos atributos que, em determinado momento, tornaram as criptomoedas como o bitcoin atrativas para os investidores. Uma é a sua natureza privada e gestão descentralizada. O Petro também é diferente porque é apoiado por um estado e seus recursos naturais (petróleo, gás, ouro e diamantes no caso da Venezuela).

O dinheiro e as criptomoedas diferem conforme se acredita que a força das moedas nacionais ou seu poder de compra (de bens, serviços e outras moedas) depende de fatores como políticas fiscais e monetárias sólidas, ou reservas de bancos centrais. O Petro atualmente não possui nada disso. Quanto a recursos como o petróleo, eles estão sendo usados ​​como garantias para os empréstimos anteriores e as obrigações existentes do governo venezuelano.

Fonte: World Crunch

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Foto de Marcelo Roncate O autor:

Redator desde 2019. Entusiasta de tecnologia e criptomoedas.