Empréstimos cripto: como a regulação impulsiona o mercado.

Como a regulamentação de empréstimos em cripto pode ajudar nos avanços do mercado
O Brasil já é um dos líderes globais na adoção de criptomoedas. De acordo com o Global Crypto Adoption Index 2024 da Chainalysis, o país figura entre os 10 mais engajados do mundo. Entre janeiro e setembro de 2024, foram declarados R$ 247,8 bilhões em operações de cripto na Receita Federal, o que representa uma alta de 24,2% sobre 2023. Grande parte dessas movimentações se dá, ademais, por meio de stablecoins atreladas ao dólar: a Tether USDT, por exemplo, respondeu por 62% do volume total no período.
Há ainda outras pesquisas de mercado que estimam em milhões o número de brasileiros investidores em cripto: aproximadamente entre 4 e 6,5 milhões. Então, sim, temos um mercado gigantesco, bem engajado e ativo. No entanto, existem pouquíssimas regras na atuação e isso, infelizmente, prejudica os investidores e o desenvolvimento desse mercado no geral. Não é que já não estejamos caminhando em direção a uma regulação mais robusta e clara a respeito da atuação do mercado cripto no nosso país. Um importante marco, que foi a Lei nº 14.478/22, estabeleceu diretrizes gerais para a prestação de serviços de “ativos virtuais”, no que inclui as exchanges de criptomoedas. E foi o Banco Central que ficou encarregado da tarefa de regulamentar e fiscalizar as corretoras.
O Vácuo Regulatório e Seus Riscos
No entanto, a lei não previu explicitamente operações de crédito garantidas por criptoativos. Na prática, hoje não existe norma específica que define se e como um empréstimo com bitcoin ou outra criptomoeda como garantia pode ser concedido no país. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por sua vez, atua somente sobre criptoativos enquadrados em valores mobiliários (como tokens de ações ou fundos). Assim, a maioria absoluta dos ativos digitais, incluindo o bitcoin, fica fora da regulação.
Dado esse contexto, temos uma lacuna: nem a CVM nem o Banco Central estabeleceram regras próprias para empréstimos que usam criptomoedas como garantia. Isso, consequentemente, gera incerteza jurídica sobre quem pode ofertar esse serviço e sob quais condições. O vácuo regulatório no setor cripto acarreta dois riscos principais. Primeiramente, a insegurança jurídica, uma vez que a ausência de leis claras impede a definição precisa dos direitos e deveres de tomadores e credores. Isso resulta em contratos ambíguos e disputas judiciais sem parâmetros. Em segundo lugar, a falta de proteção ao consumidor, já que não existem regras específicas sobre transparência de taxas, limites de juros ou canais de reclamação, o que facilita práticas abusivas e dificulta a fiscalização.
Impactos, Crimes e a Urgência da Regulamentação
A ausência de regulação no mercado cripto, aliás, facilita crimes como lavagem de dinheiro. Isso ocorre especialmente com o uso de stablecoins, que representam a maior parte das transações cripto no Brasil e levantam suspeitas de evasão. Esse é, de fato, um problema global: a maioria dos países ainda não aplica com rigor as normas internacionais, segundo o GAFI.
Além dos riscos individuais, há impactos potenciais no sistema financeiro. A falta de regras pode gerar crises de liquidez, contágio sistêmico e colapsos em cadeia. Isso é especialmente provável devido à alavancagem excessiva das plataformas de empréstimos cripto. Diante disso, especialistas e organismos internacionais alertam: é urgente criar normas locais robustas para proteger os consumidores, evitar fraudes e preservar a estabilidade do sistema financeiro. O Brasil, assim, tem a oportunidade de liderar esse movimento regulatório.
Avanços Internacionais e Vantagens da Regulação Local
Apesar da ausência de regras claras em muitos países, o debate sobre a regulação de criptoativos tem avançado internacionalmente. O Reino Unido, por exemplo, estabeleceu um cronograma para que exchanges e emissores de stablecoins passem a ser supervisionados pela FCA. Na União Europeia, o regulamento MiCA, que entrou em vigor integralmente em dezembro de 2024, criou um sistema unificado de licenciamento e impôs regras rígidas para stablecoins. Nos Estados Unidos, o debate ainda é fragmentado. No entanto, houve tentativas de legislar em nível federal, como um projeto de lei sobre stablecoins votado no Senado em 2025, que acabou não sendo aprovado.
Isso mostra que até economias maduras enfrentam dificuldade em achar o caminho certo. No campo das normas internacionais, órgãos como o G20 têm incentivado padrões globais. O Financial Stability Board (FSB) divulgou diretrizes para que ativos digitais de mesma função econômica sejam tratados pelas mesmas regras em qualquer país. Isso se dá com foco na estabilidade financeira e na proteção de investidores.
Estímulo à Inovação e Desenvolvimento Responsável
A criação de um arcabouço específico para empréstimos com garantia em criptomoedas traria diversas vantagens para o país. Isso inclui o aumento da segurança jurídica. Ela, de fato, definirá quais produtos podem ser ofertados e sob quais requisitos. Promove-se, assim, a confiança entre consumidores, instituições financeiras e empreendedores. E, além disso, incentiva-se o crescimento ordenado do mercado. Adicionalmente, a regulação fortaleceria os controles de prevenção à lavagem de dinheiro, ao exigir o cumprimento de normas de identificação de usuários (KYC) e o monitoramento de transações suspeitas, práticas ainda ausentes em nichos informais do setor.
Um ambiente regulado, por conseguinte, estimula a inovação responsável. Ele oferece segurança jurídica para que empresas sérias desenvolvam novos serviços dentro de um quadro legal, sem o receio de proibições futuras. Isso, como resultado, aumenta a credibilidade do mercado, atraindo investimentos estrangeiros. Afinal, fundos e bancos globais priorizam ambientes previsíveis e estáveis.
Regulação clara não inibe a inovação
Como ressaltado pelo presidente do Banco Central, a abertura regulatória para stablecoins e tokenização pode transformar o setor de fintechs no país. Além disso, a integração entre criptoativos e o sistema financeiro tradicional seria fortalecida. Stablecoins reguladas poderiam operar na infraestrutura nacional de pagamentos, ampliando a liquidez e a eficiência de transações internacionais. Assim, uma regulação clara não inibe a inovação, mas alinha o Brasil às melhores práticas globais e cria as bases para o desenvolvimento saudável da tecnologia cripto. Regulamentar o setor não significa engessá-lo, mas sim oferecer uma base confiável e transparente para seu desenvolvimento. É importante que pessoas interessadas mobilizem-se e priorizem urgentemente a discussão sobre empréstimos com garantia cripto. Somente assim o Brasil evitará retrocessos e criará condições de dinamizar a inovação financeira com responsabilidade, protegendo consumidores e a estabilidade econômica do país.
*Por Gislene Cabral, Head de Compliance e Riscos da NovaDAX
