Méliuz adota Bitcoin para proteger seu caixa em meio ao aperto fiscal

A decisão da Méliuz de rever sua estratégia de tesouraria acendeu um alerta no mercado brasileiro. Embora a empresa exibisse bons resultados, seu caixa sofria com o efeito negativo dos juros reais. Assim, a companhia decidiu adotar o Bitcoin como forma de preservação de valor. A mudança surpreendeu parte do setor, no entanto evoluiu com rapidez e recebeu apoio consistente dos acionistas.
A origem do problema e o risco dos títulos públicos
Quando a Méliuz revisou seu balanço no final de 2024, percebeu um paradoxo desconfortável: crescia, lucrava e não possuía dívidas, porém o mercado avaliava seu valor corporativo como zero ao desconsiderar o caixa. Além disso, boa parte dos R$ 250 milhões disponíveis estava aplicada em títulos do governo que, depois de impostos e inflação, geravam retorno real negativo. Portanto, o dinheiro perdia poder de compra de forma contínua.
Diego Kolling, chefe de estratégia de Bitcoin da empresa, descreveu o cenário de forma direta durante a Blockchain Conference Brasil 2025. Ele afirmou que a companhia estava sendo “confiscada” pelos efeitos combinados da inflação e dos impostos. Segundo ele, permanecer exposto a esses títulos significava corroer o capital em ritmo acelerado, assim comprometendo a competitividade futura da empresa.
Além disso, a Méliuz observou que juros de referência próximos de 15% e taxas superiores a 20% no crédito privado inviabilizavam estratégias comuns em mercados desenvolvidos. Empresas estrangeiras, por exemplo, aproveitam dívidas baratas em dólar para comprar BTC, porém esse modelo simplesmente não funciona no Brasil.
A virada estratégica e a entrada do Bitcoin no tesouro corporativo
Diante do cenário, a empresa tomou uma decisão incomum para uma companhia de capital aberto brasileira: converter parte de sua tesouraria para bitcoin. A transição ocorreu de forma mais tranquila do que o esperado e, além disso, contou com aprovação expressiva. Cerca de 66% dos acionistas votaram a favor da adoção do plano, registrando a maior participação acionária da história da empresa.
A Méliuz embarcou nessa nova fase sem recorrer ao endividamento em dólar. Em vez disso, utilizou emissão de ações e instrumentos complementares, como derivativos, para financiar a estratégia. Portanto, a empresa seguiu um caminho próprio, inspirado parcialmente na abordagem da japonesa Metaplanet, mas ajustado às condições do mercado brasileiro.
A estratégia envolve vender opções de venda (puts) garantidas por dinheiro para gerar rendimento. Com esse retorno, a companhia compra bitcoin de forma incremental, preservando o capital principal. Essa estrutura cria um ciclo que, no entanto, exige disciplina e limites claros. Kolling explicou que a Méliuz opera com um teto de cerca de 20% das reservas de BTC destinadas a estratégias de yield, enquanto o restante permanece alocado de maneira conservadora.
Estrutura de custódia, gestão de risco e o objetivo central
Com mais de 30 milhões de usuários cadastrados em seus serviços, a Méliuz passou a tratar o Bitcoin como um instrumento de preservação financeira, e não como aposta especulativa. Além disso, cerca de 80% das reservas ficam em armazenamento offline, reforçando o foco em segurança. A empresa utiliza apenas pequenas parcelas do total para derivativos, porém estuda ampliar gradualmente o uso para soluções como Lightning Network ou produtos de crédito lastreados em BTC.
A motivação, segundo Kolling, permanece simples: sobrevivência. Para ele, manter caixa em moeda fiduciária significava assistir ao tesouro derreter mais rápido do que a capacidade de reconstrução. Assim, o bitcoin se tornou a válvula de escape possível dentro das restrições brasileiras.