Opinião: Por que a esquerda deveria falar sobre criptomoedas?

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Pierre-Joseph Proudhon. Imagem: Reprodução

Simpatizantes do socialismo creem em uma pesada regulamentação estatal; na verdade, a resposta pode ser exatamente o contrário.

Conceito

Segundo Pierre-Joseph Proudhon, filósofo político e econômico francês, “a empresa moderna e mecanizada intensifica ao máximo a heterogestão como forma de controle do capital, surgindo daí a direção autoritária e o excesso de regulamentações em benefício daqueles que ficam com a parte intelectual do bolo”.

O trecho foi extraído de “Burocracia e Autogestão: a proposta de Proudhon”, de Fernando C. Prestes Motta. Em resumo, o filósofo faz crítica à hierarquização rígida dentro das empresas, totalmente centralizada e, no final das contas, focada em trazer vantagens apenas aos que habitam as camadas mais elevadas da pirâmide.

Mas, enfim, onde entram as criptomoedas nisto tudo?

DAOs

Ainda que embrionários, existem modelos empresariais descentralizados que rechaçam o desenho tradicional hierárquico, a exemplo das DAO – Organizações Anônimas Descentralizadas.

Dentro destas empresas independentes e largamente automatizadas, não há uma sede física principal e seus gestores são os mesmos que investem em suas ideias. Todos os contratos são executados automaticamente via contratos inteligentes (smart contracts), ou seja, não há possibilidade de fraudes.

A possibilidade de criar empresas descentralizadas e automatizadas é algo que Proudhon não teria como prever em seu tempo; contudo, a dissolução de escalas hierárquicas rígidas e incrivelmente regulamentadas é realidade nos dias de hoje.

Fazer uso de ativos não controlados por banco central é, também, outra possibilidade real para escapar do autoritarismo, das regulamentações excessivas, do confisco monetário devido à incompetência estatal ou mesmo da criação de elementos legais corporativistas, a exemplo dos inúmeros escândalos envolvendo licitações públicas com empreiteiras.

Mudanças inevitáveis

Hussein Kesvani, escritor de esquerda, comentou em seu artigo “The Left Should Talk About Cryptocurrency” (A Esquerda deveria falar sobre Criptomoedas, em tradução livre) que os ativos digitais e descentralizados vão, inevitavelmente, mudar o mundo como o conhecemos.

Contudo, o autor alega ainda não conhecer muito bem sobre a tecnologia por trás das criptomoedas, tampouco como o mercado efetivamente funciona.

Kesvani crê que “imaginar futuros diferentes exige algum conhecimento a respeito de criptomoedas e blockchain”. Mas a que futuro o autor se refere, afinal?

O que diria Marx?

A revista digital marxista Jacobin, em publicação realizada no mês passado, acredita que ideia de uma Web3 descentralizada é ilusória e apenas transferirá o poder de um ponto para outro. Por outro lado, James Muldoon, autor da postagem, reconhece que a criação de DAOs pode ser interessante:

“Vale a pena explorar alguns recursos da DAO. Com a adesão dos membros, a estrutura pode começar a parecer, e muito, com uma cooperativa de trabalhadores tradicional. Pode-se imaginar uma rede social DAO na qual os proprietários-operários pudessem decidir democraticamente sobre as diretrizes da comunidade, novos recursos e regras de associação.”

Um dos pontos centrais da crítica de Marx é a péssima alocação de capital, além da lucratividade irracional. Por meio de sociedades empresariais descentralizadas e criptomoedas, todo o trabalho de gestão financeira estaria, finalmente, nas mãos dos trabalhadores.

Criptomoedas e DAOs garantem aos usuários a correta divisão de poderes, enquanto promove a responsabilidade coletiva dos usuários para que tenham real noção de tudo o que é executado. Caso exista a necessidade de recalibrar certos pontos, todos poderão votar para tornar o ecossistema saudável e sustentável.

Conclusão

Todas as reflexões aqui expostas ainda são bastante preliminares; entretanto, não é errado afirmar que Proudhon e Kesvani, em certa medida, estão corretos.

A forma como fazemos dinheiro e entendemos o trabalho exige mudanças e, como era de se esperar, os governos têm falhado em acompanhá-las: cabe aos usuários, que realmente sentem os impactos de suas escolhas no curto prazo, decidir o melhor caminho a ser traçado.

Foto de Rafael Motta
Foto de Rafael Motta O autor:

Jornalista, trader e entusiasta de tecnologia desde a infância. Foi editor-chefe da revista internacional 21CRYPTOS e fundador da Escola do Bitcoin, primeira iniciativa educacional 100% ao vivo para o mercado descentralizado. Foi palestrante na BlockCrypto Conference, em 2018.