Opinião: A farsa de Jackson Palmer, cofundador da Dogecoin
Entenda os motivos e as incongruências no discurso de um dos criadores da meme coin mais famosa do mundo.
Biografia
Jackson Palmer alega nunca ter ganhado dinheiro com a Dogecoin (DOGE). Seu patrimônio, avaliado em US$ 1 milhão, teria sido construído por meio de seu trabalho na Adobe. Em 2013, uniu forças com Billy Markus, engenheiro de software, para a criação do ativo digital. O motivo, segundo Palmer, seria fazer piada a respeito da “bolha” do Bitcoin.
Trata-se da primeira meme coin do mundo e, por conta dela, centenas de outras foram criadas. O motivo é simples: as pessoas levam piadas muito a sério e os desenvolvedores perceberam que tais piadas podem ser bastante lucrativas.
Em pouco tempo, usuários do Reddit começaram a comentar a respeito do ativo, o que iniciou seu processo de popularização. Mas foi com Elon Musk, dono das empresas SpaceX e Tesla, que a Dogecoin realmente começou a disparar.
Jackson Palmer comprou o domínio dogecoin.com e criou a logomarca icônica. Porém, o desenvolvedor alega que a comunidade cripto tornou-se muito “tóxica” e, em 2021, disse que não trabalharia mais com criptomoedas.
As desculpas de Jackson Palmer
Em seu Twitter, Palmer fez a seguinte declaração:
“Após anos de estudo, acredito que criptomoedas são uma tecnologia inerentemente de direita, hiper capitalista, construída principalmente para ampliar a riqueza de seus proponentes através da combinação de evasão fiscal, relaxamento da supervisão regulatória e escassez imposta artificialmente.”
After years of studying it, I believe that cryptocurrency is an inherently right-wing, hyper-capitalistic technology built primarily to amplify the wealth of its proponents through a combination of tax avoidance, diminished regulatory oversight and artificially enforced scarcity.
— Jackson Palmer (@ummjackson) July 14, 2021
O desenvolvedor também alega que, apesar das alegações de descentralização, “a indústria de criptomoedas é controlada por um poderoso cartel de figuras ricas que, com o tempo, evoluiu de forma a incorporar suas instituições atreladas ao sistema financeiro centralizado, que eles supostamente deveriam substituir”.
Além disso, afirma que a mesma indústria promove “negócios escusos”, compra influenciadores e criam mecanismos para perpetuar a cultura de “fique rico rápido” para tirar proveito dos ingênuos e desesperados.
Por fim, Jackson Palmer diz que que as criptomoedas foram praticamente criadas para explorar os vulneráveis. Todas as piores partes do capitalismo (corrupção, fraude, desigualdade) estariam presentes nos ativos digitais.
Graças a todos estes motivos, Palmer afirma categoricamente que não mais trabalhará com criptomoedas.
A farsa de Jackson Palmer
Boa parte das alegações de Palmer não parecem ser oriundas de um indivíduo mal-intencionado, e sim incrivelmente mal-informado. Parece haver uma preocupação social genuína, ainda que pelas razões erradas.
Criptomoedas são tecnologias neutras por definição: elas não são capazes de selecionar públicos de direita ou de esquerda. Assim como moedas fiduciárias, quem delas tiver posse poderá fazer uso da forma que bem entender. Seja para o bem ou para o mal.
Dinheiro pode tanto ser utilizado para comprar comida como para encomendar a morte de alguém (não cometam tal crime hediondo). O capital não é capaz de ficar feliz pela boa-sorte de quem pode alimentar-se, tampouco de sentir a dor da perda.
Com relação à descentralização, este é um debate interessante: Vitalik Buterin, fundador do Ethereum, acredita que a mudança do protocolo de consenso atual (Proof-of-Work, ou “Prova de Trabalho”) para Proof-of-Stake (“Prova de Participação”) pode reduzir a centralização dos mineradores da rede.
Por outro lado, é necessário investir valores elevados para iniciar o processo de staking; ou seja, minerar Ethereum continuará sendo uma tarefa um tanto quanto elitista.
Em linhas gerais, montar nós (nodes) de rede para minerar criptomoedas é uma tarefa bastante cara e trabalhosa. Da mesma forma, criar moedas fiduciárias não é uma tarefa simples ou barata. Fazer dinheiro custa (muito) dinheiro. Não há muito o que fazer com relação a isso.
Negócios escusos envolvendo criptomoedas são, infelizmente, uma triste realidade. Apesar do número de golpes ter crescido bastante nos últimos anos, sua permanência foi bastante reduzida devido a mecanismos privados de combate a embustes. A Chainalysis, por exemplo, é uma das empresas mais importantes nesse sentido.
Em linhas gerais, a popularização das criptomoedas está ajudando a criar um ecossistema mais bem informado e seguro, diferentemente do que Jackson Palmer falsamente alega em suas publicações.
Problemas sociais não são acentuados pelos ativos digitais. Verdade seja dita, a culpa maior sempre foi e sempre será do Estado. Em resposta a Musk, a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs um plano de US$ 6 bilhões para acabar com a fome. De forma resumida, Musk lançou o seguinte desafio: “provem como isso poderia acabar com a fome que eu pago”.
Até hoje, a ONU não foi capaz de respondê-lo à altura. O motivo é simples: de nada adianta introjetar capital em certos países se a corrupção acentuada, que leva às desigualdades extremas, não for erradicada antes mesmo da própria fome.
Por outro lado, vários venezuelanos foram capazes de escapar das garras de uma ditadura cruel e sanguinária por conta da utilização de criptoativos. De acordo com relatório da Chainalysis, a movimentação de criptomoedas no continente africano, apesar de não tão expressiva, é “dinâmica e animadora”.
De fato, certas cidades africanas abdicaram de suas moedas fiduciárias para utilizar criptomoedas como meio de pagamento. Em alguns casos, possuem sua própria cotação para facilitar as transações. As razões são simples: poder de escolha, liberdade, poder deflacionário e utilização como reserva de valor. Pontos centrais para mudar a sorte.
Conclusão
Jackson Palmer parece um genuíno simpatizante da esquerda. Não digo, sob nenhuma hipótese, de forma debochada. Infelizmente, a esquerda tende a apontar motivos e soluções irreais para problemas pontuais, a exemplo do que tem feito desde o nascimento do Conde de Saint-Simon, antes de Karl Marx nascer, explorar toda a sua família e escrever centenas de páginas contra a exploração.
O desenvolvedor falha miseravelmente em sua tentativa de apontar falhas fundamentais dos criptoativos. Ele atribui falhas sociais fundamentais a meros instrumentos neutros.
No mais, desejo sucesso à continuidade de sua empreitada, Jackson Palmer. Honestamente, não creio que você só passou a ter ideia do potencial capitalista de ativos livres e não reguláveis tão recentemente; porém, em respeito à sua criação, deixemos assim.
Jornalista, trader e entusiasta de tecnologia desde a infância. Foi editor-chefe da revista internacional 21CRYPTOS e fundador da Escola do Bitcoin, primeira iniciativa educacional 100% ao vivo para o mercado descentralizado. Foi palestrante na BlockCrypto Conference, em 2018.