Opinião: Regulamentar criptomoedas é necessário (ou possível)?

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Helena Margarido, cofundadora da Monett. Imagem: InvestNews

Intervenções estatais são sugeridas para prevenir crimes relacionados a ativos digitais; afinal, qual a necessidade ou eficácia disso?

Criptomoedas na mira do Estado

Trabalho há 13 anos como apaixonado comunicador social; sete anos de minha trajetória profissional foram quase que exclusivamente dedicados ao processo de evangelização das tecnologias blockchain. Nada nesse ramo me apetece com a mesma intensidade que uma discussão polêmica, mas saudável.

Regulamentar criptomoedas é, sem dúvidas, um tema bastante apreciado entre entusiastas das tecnologias descentralizadas e distribuídas. Enquanto alguns indivíduos defendem uma pesada intervenção estatal para prevenir embustes, outros creem que a autorregulamentação é necessária e que faz parte da própria estrutura da coisa toda.

Para fomentar este debate, selecionei um artigo de uma pessoa gabaritada (e pessoalmente muito querida) sobre o assunto.

Hora do debate

Helena Margarido, cofundadora da plataforma de investimentos Monett, publicou em seu LinkedIn o artigo “Criptomoedas: regular é preciso”. Trata-se de um texto cuja resposta definitiva da autora está presente, mas de maneira discreta. Leiam na íntegra e descubram.

Para tornar o conteúdo mais acessível, ele foi separado em pontos chave de acordo com os anseios dos principais públicos-alvo do mundo cripto.

O peso da ignorância

“Não importa se você gosta e está familiarizado ou não com o assunto – você provavelmente tem uma opinião sobre a real necessidade de se regular – ou não – os criptoativos”, disse Margarido. Mesmo os que não fazem ideia do que é blockchain ou criptomoeda tendem a palpitar, pois pressupõem que a premissa dos ativos digitais seja a mesma dos mercados fiduciários.

Verdade seja dita, golpistas buscam pessoas que não entendem conceitos básicos sobre o mercado; talvez uma regulamentação pareça tentadora, caso esse seja seu caso. A ideia de que uma entidade centralizadora fará as reflexões por você pode ser reconfortante.

Por outro lado, grande parte dos golpes financeiros são executados por meio de moedas emitidas e controladas por bancos centrais. Independentemente do que você defende, conhecimento é a commodity mais valiosa do mundo e é impossível de ser roubado; ele pode ajudá-lo a prevenir embustes com muito mais propriedade do que uma agência reguladora.

Exchanges e o limbo jurídico

Em linhas gerais, as corretoras de criptomoedas, em especial as centralizadas (CEX), fazem custódia de ativos digitais e moedas fiduciárias simultaneamente. Por um lado, as criptomoedas são totalmente alheias à existência do Estado; por outro, ativos fiduciários são intimamente atrelados às autarquias econômicas.

Sendo assim, é normal que entidades regulatórias façam questão de colocar as criptomoedas no mesmo balaio jurídico dos ativos tradicionais; afinal, há uma clara coexistência nas plataformas para que clientes sejam capazes de resgatar seu saldo em moeda fiduciária, fugindo da alta volatilidade.

No Brasil, a votação do PL 4.401/2021 foi pausada na Câmara e deve ser levantada apenas depois das eleições. Tendo em vista que Lula, infelizmente longe das grades, ameaça trazer mais intervencionismo do que nunca, é bem provável que o texto seja modificado para assumir uma postura mais agressiva.

Enquanto isso, exchanges que executam suas atividades no país permanecem dentro de uma zona cinzenta. Porém, apesar de não haver uma legislação sobre o assunto, o governo solicita dados de clientes e a declaração das criptomoedas no Imposto de Renda – a maior preocupação de qualquer órgão político. Não há direitos, mas um novo boleto para pagar.

Responsabilidade

A centralização de capital presente nas corretoras é um assunto bastante complexo e deve ser debatido:

“Quando estamos diante de atividades não reguladas, a corretora apenas tem como opção custodiar esses recursos de terceiros em nome próprio. Isso significa que, caso haja alguma ação trabalhista milionária, por exemplo, essa mesma conta poderá ser penhorada para pagar o débito, independentemente de quem seja o real dono daqueles recursos.”

Recentemente, a plataforma Celsius Network bloqueou o saldo de usuários por tempo indeterminado para evitar a falência. A empresa entrou com processo de recuperação judicial para tentar honrar seus compromissos.

Não há dúvidas: se um indivíduo ou uma corporação não honram seus compromissos com clientes, devem ser responsabilizados de maneira justa. A questão é: de que forma responsabilizar tais autores? Por conta disso, projetos de lei foram sugeridos para (supostamente) sanar tais problemas.

O preço da regulamentação

A CVM dos Estados Unidos (SEC) sugere a regulamentação de criptomoedas como securities (valores mobiliários). Ações negociadas na bolsa, por exemplo, tem de seguir as diretrizes da CVM e do Banco Central para serem listadas.

O processo de listagem é longo, incrivelmente burocrático e caro; por conta disso, apenas negócios realmente proeminentes são capazes de abrir capital na bolsa.

Por outro lado, criptomoedas podem ser facilmente emitidas e colocadas à venda para aumentar a arrecadação, o que é especialmente interessante em projetos embrionários.

Tratar as criptomoedas como ativos financeiros tradicionais é o mesmo que torná-las mais elitizadas e segmentadas – justamente a sua finalidade oposta.

Conclusão

Por fim, Margarido realiza um comentário um tanto quanto controverso:

“A conclusão óbvia, que pouco tem sido discutida, é de que, em nenhum dos dois casos, estamos falando de “regular as criptomoedas”, mas sim de regular algumas atividades relativas a esse mercado.”

Na verdade, o objetivo da regulamentação é justamente buscar um controle mais intimista das criptomoedas por meio de seus serviços mais difundidos. Não é possível, afinal, controlar diretamente um ativo descentralizado; mas é viável manipular plataformas de terceiros, tão queridas por boa parte dos usuários, gerando um controle indireto sobre a economia.

Mesmo o novo governo sul-coreano, supostamente “amigo” das criptomoedas, exige que as exchanges que desejam operar no país trabalhem com moedas fiduciárias para que as autarquias tentem manter o nível de observação de sempre.

O Estado atua como um par de rodinhas em uma bicicleta infantil, mas que jamais podem ser removidas, ainda que você tenha aprendido a pedalar. Verdade seja dita, o mesmo par de rodinhas, dependendo do relevo, pode fazer com que você leve um tombo – às vezes fatal.

Alguns leitores viveram esta triste realidade durante o confisco da era Collor; outros perceberam que, mesmo com tantas regulamentações, a bolha imobiliária de 2008 levou milhões ao desespero. Bem similar à emissão exagerada de crédito que levou ao colapso de 1929.

Órgãos privados, como a Chainalysis, dedicam seus esforços para trazer informações relevantes e corretas sobre o mercado cripto. Graças a esse tipo de iniciativa, golpes envolvendo criptomoedas têm durado muito menos que no passado.

Enquanto isso, não são raros os casos de governantes “demonizando” os criptoativos, tratando-os não como bens digitais neutros, mas como ferramentas desenhadas por – e para – criminosos.

Não são poucos os exemplos de que o “Estado-babá” não foi capaz de proteger ninguém. Apenas o conhecimento pode otimizar ganhos e evitar dores de cabeça futuras; não conte com terceiros para que façam seu trabalho mental.

Foto de Rafael Motta
Foto de Rafael Motta O autor:

Jornalista, trader e entusiasta de tecnologia desde a infância. Foi editor-chefe da revista internacional 21CRYPTOS e fundador da Escola do Bitcoin, primeira iniciativa educacional 100% ao vivo para o mercado descentralizado. Foi palestrante na BlockCrypto Conference, em 2018.