Quais os impactos da regulamentação das criptomoedas no Brasil?
O projeto de lei que regulamenta os ativos digitais no país é um tanto quanto desconexo e acende o alerta vermelho a certos assuntos
Recentemente, o PL 4.401/2021, referente à regulamentação das criptomoedas no Brasil, foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Além disso, o texto acrescentou ao Código Penal um novo tipo de estelionato: reclusão de 4 a 8 anos, além de multa, a quem organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações virtuais com a finalidade de obter vantagem ilícita.
Apesar das promessas implícitas de maior segurança e transparência ao usuário, algumas confusões no documento podem causar verdadeiras dores de cabeça para usuários, desenvolvedores e empresários envolvidos neste meio.
Definição confusa
Segundo o Artigo 3º, entende-se como ativo virtual a “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”. Entretanto, não estão incluídos o ativo fiduciário nacional, as moedas estrangeiras e “moeda eletrônica”, conforme a Lei 12.865/2013.
De acordo com a lei que dispõe sobre “moeda eletrônica”, os “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento”, pertencentes ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), não são reconhecidos como “ativos digitais” (?!).
Staking ficou de fora da regulamentação
De acordo com o projeto de lei aprovado, não estão incluídos na regulamentação “instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especializados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade”. Em resumo, o staking de criptomoedas ficou de fora do texto.
Staking é o processo de bloqueio de certa quantia mínima de criptoativos em uma carteira específica, a qual garante a execução de transações e o correto funcionamento da rede. Com o tempo, o usuário recebe tokens como recompensa por ter dedicado seu capital ao ecossistema.
Caso o processo de staking tenha de ser burocratizado da mesma forma que o de dispositivos especializados de mineração, o valor de entrada nesse nicho ficará ainda mais difícil, o que desincentivará ainda mais uma considerável parcela de investidores.
Apenas para PJ
Serão consideradas “prestadoras de serviços de ativos virtuais” apenas as pessoas que possuírem Pessoa Jurídica (PJ) constituída. Cabe citar que não existe uma categorização específica para profissionais de tecnologia blockchain para Microempreendedor Individual (MEI); entretanto, recebedores de ativos virtuais devem declarar seu patrimônio para a União.
Caso você trabalhe como negociante independente de criptoativos Pessoa Física, sua atuação passará a ser irregular. Além disso, todas as exchanges em operação no Brasil, de acordo com a regulamentação, são obrigadas a ter CNPJ e representação oficial.
Menos privacidade
Empresas ligadas ao mercado cripto deverão prestar ainda mais informações para o governo. Elas terão um prazo de seis meses para se adequar às novas regras.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ficará a cargo pela regulação das criptomoedas, que não são entendidas juridicamente como ativos financeiros, e sim mobiliários – tal como títulos financeiros e ações de empresas.
DeFi é ameaçado
Se, para operar no Brasil, projetos de criptomoedas precisarão de registro nacional e enviar informações pessoais dos usuários para o governo, isso significa que as plataformas independentes de finanças descentralizadas (DeFi) podem, em algum momento, ser criminalizadas e proibidas.
Marginalizar o DeFi abre um perigosíssimo precedente, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos por conta da Tornado Cash: como muitos criminosos fizeram operações escusas em sua plataforma, Alexey Pertsev foi preso nos Países Baixos apenas por ter programado a aplicação.
Conclusão
Tendo em vista a natureza intervencionista tupiniquim, trata-se de uma tentativa de aumentar a arrecadação tributária – só que travestida com elaboradas vestes de preocupação social.
Em termos de segurança ao consumidor, a CVM há anos já trabalha na investigação de embustes envolvendo criptomoedas. A própria Receita Federal, muito antes do PL 4.401/2021, já havia determinado a natureza jurídica das moedas descentralizadas como ativos mobiliários; seus ganhos devem ser declarações como ganhos com ações no Imposto de Renda.
Usuários que fazem staking de criptomoedas precisam ficar atentos, uma vez que o texto continua obtuso em relação a esta atividade. Mesmo negociantes independentes de ativos virtuais devem abrir empresa e obter as devidas licenças para evitar problemas com a Justiça.
Mas um dos pontos que mais incomodam, sem dúvidas, é a marginalização de serviços DeFi: afinal, a inovação oriunda do universo cripto sempre residiu em sua plena independência, criatividade e autorregulação.
Questão de tempo até que confusões jurídicas venham à tona. Não demorará.
Jornalista, trader e entusiasta de tecnologia desde a infância. Foi editor-chefe da revista internacional 21CRYPTOS e fundador da Escola do Bitcoin, primeira iniciativa educacional 100% ao vivo para o mercado descentralizado. Foi palestrante na BlockCrypto Conference, em 2018.