Regulação cripto avança no Brasil e redesenha a autocustódia
A nova regulamentação do mercado de criptoativos publicada pelo Banco Central marca um ponto de inflexão para investidores brasileiros. Além disso, ela reforça a integração do setor ao sistema financeiro tradicional. No entanto, essa mudança cobra um preço relevante para quem prioriza privacidade e autocustódia. A partir de 2026, o pseudonimato deixa de ser um pilar prático no uso de carteiras pessoais.
O fim do pseudonimato na prática
Desde sua origem, o Bitcoin carregou a promessa de um sistema financeiro alternativo, descentralizado e resistente à vigilância direta. Assim, a ideia de soberania individual ganhou força, especialmente entre usuários que optaram por carteiras de autocustódia. Hardware wallets e aplicativos como MetaMask tornaram-se ferramentas essenciais para quem desejava manter controle total sobre seus ativos.
Até agora, o processo funcionava de forma semelhante a um saque em dinheiro. O investidor comprava criptoativos em uma corretora e os transferia para uma carteira pessoal. A partir desse ponto, embora as transações fossem visíveis na blockchain, não havia um vínculo formal direto com o CPF do usuário. Portanto, o pseudonimato permanecia preservado.
Esse cenário muda com a Resolução BCB nº 521, publicada em novembro. A norma determina que as corretoras, agora chamadas de Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais, identifiquem o proprietário de carteiras de autocustódia em operações de saque e depósito. Além disso, essas informações deverão ser documentadas e reportadas regularmente ao Banco Central a partir de maio de 2026.
Um novo mapa de vigilância financeira
Na prática, a ponte entre corretoras e carteiras pessoais deixa de ser uma via de mão única. Ao solicitar um saque para uma carteira própria, o investidor precisará declarar formalmente que aquele endereço lhe pertence. Em seguida, a corretora associará esse endereço ao CPF do cliente e enviará o dado ao regulador.
Assim, forma-se um amplo cadastro de carteiras vinculadas a seus respectivos proprietários. Para o Banco Central, a justificativa segue padrões internacionais. O objetivo é reduzir o uso de criptoativos em lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e fraudes. Segundo o regulador, o monitoramento dos pontos de entrada e saída permite rastrear fluxos suspeitos com mais eficiência.
Entretanto, para o investidor, as implicações são profundas. A principal delas é a perda de privacidade financeira. Muitos usuários migraram para a autocustódia justamente para manter seus ativos fora do radar direto do sistema tradicional. Com a nova regra, esse diferencial praticamente desaparece.
Além disso, especialistas apontam efeitos secundários relevantes. Com dados mais detalhados, o cruzamento de informações fiscais torna-se mais simples. Embora a declaração de criptoativos já seja obrigatória, a fiscalização ganha escala e precisão. Ao mesmo tempo, processos de saque tendem a se tornar mais burocráticos, exigindo verificações adicionais.
O dilema global entre privacidade e integração
A medida brasileira não surge de forma isolada. Ela acompanha um movimento internacional liderado por recomendações do GAFI, que defende a aplicação da chamada Travel Rule. Essa diretriz exige que informações sobre remetente e destinatário acompanhem as transações, de modo semelhante ao sistema bancário tradicional.
Na União Europeia, o regulamento MiCA segue a mesma direção. Nos Estados Unidos, apesar da fragmentação regulatória, propostas semelhantes avançam. Portanto, o Brasil se alinha às principais economias ao priorizar transparência e controle.
Ainda assim, o debate permanece aberto. Para entusiastas mais antigos, a exigência de identificação descaracteriza a essência do Bitcoin. Para defensores da regulação, no entanto, a integração é o caminho para a adoção em massa e para a maturidade do mercado. Nesse contexto, o Banco Central deixa clara sua posição: segurança e integração vêm antes da privacidade.