Teoria de Alexandre Senra e a maior apreensão de Bitcoin da história

A apreensão de 127 mil bitcoins, avaliada em quase US$ 15 bilhões, marcou um divisor de águas no relacionamento entre o Estado e o ecossistema cripto. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou o confisco em outubro de 2025, vinculando os ativos ao empresário cambojano Chen Zhi, líder do conglomerado Prince Group. No entanto, para o procurador brasileiro Alexandre Senra, Coordenador do Grupo Executivo Criptoativos da 2CCR do MPF e autor do livro “Criptoativos e Blockchain“, o episódio não é apenas mais uma operação de combate ao crime cibernético. É, antes, uma demonstração de como a inteligência on-chain e as falhas de segurança interagem de forma estratégica — e reveladora.
O enredo oficial: fraude, coerção e o império de Chen Zhi
De acordo com o DOJ, Chen teria comandado um império de fraude baseado no Camboja, sustentado por redes de trabalho forçado e manipulação digital. Vítimas eram atraídas por promessas de lucro em criptomoedas, enquanto trabalhadores estrangeiros eram confinados em complexos que funcionavam como verdadeiras fábricas de golpes. Documentos judiciais apontam que o grupo mantinha milhares de contas falsas em operação simultânea, muitas delas ligadas à exchange Byex e à mineradora Lubian.
A investigação resultou na maior apreensão de criptoativos já registrada. Foram confiscadas carteiras associadas a Chen, ao Prince Group e a empresas de fachada utilizadas para lavar dinheiro por meio de imóveis de luxo em Londres. Para os EUA e o Reino Unido, tratou-se de uma vitória jurídica e moral. Mas, segundo Senra, a narrativa oficial deixa lacunas importantes — especialmente sobre o momento e a forma como os bitcoins chegaram às mãos do governo americano.
A hipótese Senra: o FBI não hackeou, negociou
Senra, coordenador do Grupo Executivo de Criptoativos do MPF, em seu artigo “A possível história por trás da maior apreensão de Bitcoin da história“, propõe uma leitura alternativa que vem ganhando atenção entre analistas de blockchain. Sob o mesmo ponto de vista, em sua teoria, o FBI não “hackeou” as carteiras de Chen nem de seus operadores. O que teria ocorrido foi uma identificação do hacker original que, em 2020, explorou uma falha técnica no pool de mineração Lubian e desviou exatamente os mesmos 127 mil BTC agora sob custódia dos EUA.
Essa vulnerabilidade, conhecida como Milk Sad, comprometia a aleatoriedade da geração de carteiras na biblioteca Libbitcoin Explorer. Na prática, permitia que um invasor previsse chaves privadas e acessasse fundos com relativa facilidade. Posteriormente, Senra sugere que autoridades americanas rastrearam o autor desse ataque e, entre junho e julho de 2024, negociaram a devolução voluntária dos bitcoins. Assim, os fundos teriam sido transferidos para endereços controlados pelo governo, sem ação coercitiva.
Conexões on-chain e a cronologia da virada
A sequência de eventos reforça a tese. De fato, entre 2022 e 2023, o pool Lubian enviou mensagens on-chain pedindo ao hacker que devolvesse os fundos. Em junho de 2024, começaram as transferências para carteiras oficiais dos EUA, ainda sem que o público soubesse da mudança de controle. Aliás, dois meses depois, Lubian continuava enviando mensagens, acreditando falar com o hacker — quando, na verdade, os bitcoins já estavam sob custódia americana.
Esse lapso de comunicação seria a peça que confirma a cronologia de Senra. O DOJ só formalizou o pedido de perdimento em 2025, explicando por que a notícia foi divulgada apenas agora. O fato de os ativos estarem intactos por quatro anos e de o governo americano não detalhar a apreensão reforça, portanto, a hipótese de que o episódio envolveu negociação, e não invasão.
O simbolismo da teoria e seus efeitos no ecossistema cripto
A leitura de Senra traz implicações mais amplas do que a simples curiosidade técnica. Se confirmada, ela indicaria que os Estados Unidos adotaram uma postura híbrida de enforcement: menos baseada em força bruta e mais em rastreamento inteligente e diplomacia digital. Nesse sentido, isso reforçaria o poder das investigações on-chain e o papel crescente da análise forense blockchain como ferramenta geopolítica.
Além disso, a teoria resgata o protagonismo do conhecimento técnico sobre o viés criminalizante que costuma dominar as manchetes. A ideia de que o FBI “negociou” em vez de “hackear” humaniza a aplicação da lei e evidencia um novo tipo de soberania digital: a capacidade de controlar ativos descentralizados sem quebrar os princípios fundamentais do sistema.
Para Senra, o episódio sintetiza uma virada na relação entre governos e criptoeconomia. O Estado passa a agir como nó de inteligência dentro da rede — e não como simples fiscal externo. Isso muda o jogo para mineradores, exchanges e, principalmente, para os reguladores, que agora lidam com precedentes inéditos.
Conclusão
Mais do que uma operação policial, a apreensão dos 127 mil bitcoins representa um experimento sobre soberania digital, transparência e o poder da análise on-chain. A Teoria de Alexandre Senra propõe uma reflexão sobre o papel das instituições na era da descentralização: quando o rastreamento substitui a coerção e a negociação se torna a nova forma de enforcement. No fim, o caso Chen Zhi revela não apenas o colapso de um império de fraudes, mas também o nascimento de uma nova diplomacia cripto — onde informação é a arma mais valiosa.
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