Opinião: FTX, Sam Bankman-Fried e a incompetência confessa

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Postagens de Changpeng Zhao, CEO da Binance, levaram ao colapso da FTX: o que podemos aprender com isso? Imagem: Cointimes

A exchange permitiu que sua concorrente tivesse todo o controle da situação; atitude desastrosa leva a uma seríssima reflexão

Do luxo ao lixo

Poucas atrocidades são capazes de me impressionar. Afinal, são sete anos quase que exclusivamente dedicados a um mercado absolutamente novo, embrionário, promissor e arriscado. Mas o que Sam Bankman-Fried, CEO da FTX fez, é de uma estupidez sem tamanha e carrega consigo uma lição muito importante.

Estamos falando de uma empresa que, até então, estava em segundo lugar global no ranking de exchanges centralizadas (CEX). Bastou uma breve publicação de um concorrente para demolir o império por completo.

Recebi a notícia enquanto viajava para a Argentina, representando uma empresa de tokenização de ativos imobiliários. Quando descobri os motivos por trás de tamanha tragédia, tive dificuldades para controlar meu transtorno de ansiedade.

De maneira bastante resumida, Changpeng Zhao (“CZ”), CEO da Binance, anunciou em seu Twitter que venderia, de maneira progressiva, seu saldo em FTX Token (FTT). Algo em torno de US$ 2 bilhões. O motivo: a Alameda Research, empresa pertencente ao grupo FTX, teria supostamente cometido Insider Trading, que ocorre quando empresários fornecem informações privilegiadas a terceiros sobre produtos financeiros.

Acontece que os tokens BTT estavam sendo utilizados pela FTX como colateral. Uma decisão absolutamente estúpida e imperdoável, pois coloca a integridade dos fundos dos usuários em grave risco. CZ aproveitou para alfinetar a exchange, diga-se de passagem.

Em apenas um dia, Bankman-Fried perdeu 94% de sua fortuna; com isso, acabou saindo da lista de bilionários do Bloomberg. O executivo correu para as Bahamas, possivelmente para evitar ser preso; entretanto, tanto ele como Gary Wang, um dos cofundadores, e Nishad Singh, diretor de engenharia, estão “sob supervisão” pelas autoridades locais. As informações são do Cointelegraph.

Colapso relâmpago

Dois dias após o colapso, Bankman-Fried solicitou o registro de recuperação judicial da FTX e da Alameda Research. Cerca de 130 empresas pertencentes ao grupo FTX Group também foram inseridas no documento.   

Além dos prejuízos registrados por usuários domésticos, empresas que tinham algum nível de exposição econômica com a exchange tiveram de correr para evitar maiores problemas.

Este é o caso da Multicoin Capital, que teve 10% de seus ativos bloqueados na corretora. Contudo, eles foram capazes de mover 24% dos tokens antes do bloqueio de saques, segundo o The Block.

De acordo com reportagem do CoinDesk, grande parte das companhias que tinham algum grau de exposição com a FTX conseguiram escapar com poucos danos.

FTX, CEX e o futuro da descentralização econômica

Toda esta patacoada criada por Bankman-Fried poderia ter sido evitada se algumas precauções fossem levadas à risca. Uma delas é jamais fazer uso de um token próprio como colateral para garantir liquidez. O melhor (e único) caminho, de longe, é fazer uso de ativos consolidados e sólidos para tal finalidade.

Outra falha grave, cometida recentemente pela Three Arrows Capital – que também pagou o preço por sua incompetência e falta de gerenciamento de risco – é fazer uso de mecanismos arriscados para garantir solvência, como pedir empréstimos ou executar operações com alavancagem.

Neste exato momento, um time de investigadores financeiros está investigando o ocorrido para averiguar se houve alguma conduta criminosa. Tendo em vista a dimensão do (possível) embuste, é possível esperar por um processo bastante penoso e lento.

Nem o próprio fundador da coisa toda é capaz de tranquilizar adequadamente seus seguidores no Twitter:

“Talvez eu falhe. Talvez eu não consiga dar aos clientes mais do que já está lá. Eu certamente já falhei antes. Vocês todos sabem disso – sabem bem demais. Mas tudo o que posso fazer é tentar. Falhei o suficiente por um mês. E uma parte de mim diz que ainda posso chegar em algum lugar.”

Não é possível culpá-lo por não ser capaz de defender o indefensável.

Por último, mas não menos importante: ainda que em doses homeopáticas, o mercado está começando a descobrir que as plataformas descentralizadas e distribuídas são uma opção mais segura, transparente e confiável. Sobretudo as que garantem que você mantenha a custódia de seus fundos, a exemplo do que a Waves Platform faz há muitos anos.

Trata-se de uma tragédia há algum tempo anunciada: o balanço patrimonial da FTX é, para dizer o mínimo, patético. Amir Salihefendić, CEO da Doist, mostrou o quão imprecisos e questionáveis são os dados passados aos acionistas.

Por fim, apesar de a Binance ter empurrado sua concorrente para os confins do precipício, muito cuidado: uma reportagem do Bloomberg aponta que 40% de suas principais participações estão em BUSD e BNB. Se isso for verdade, é perfeitamente possível que a Binance enfrente o mesmo destino sombrio.

Parece que teremos duas novelas para assistir em vez de apenas uma.

Foto de Rafael Motta
Foto de Rafael Motta O autor:

Jornalista, trader e entusiasta de tecnologia desde a infância. Foi editor-chefe da revista internacional 21CRYPTOS e fundador da Escola do Bitcoin, primeira iniciativa educacional 100% ao vivo para o mercado descentralizado. Foi palestrante na BlockCrypto Conference, em 2018.