Mark Zuckerberg admite centralização da Libra

CEO do Facebook testemunhou no Congresso dos EUA

Quatro meses podem fazer uma diferença equivalente a uma vida quando se trata de um projeto como a Libra. Mark Zuckerberg que o diga.

Quando apareceu diante dos representantes do Congresso, em julho, o cocriador da Libra, David Marcus, adotou uma postura agressiva e se recusou a suspender o desenvolvimento de sua blockchain e criptomoeda por causa das autoridades reguladoras. Na época, a curiosidade sobe o projeto era grande e os legisladores pediam uma moratória para o seu avanço até que pudessem entender suas implicações.

O chefe de Marcus, o CEO do Facebook Mark Zuckerberg, parecia mais arrependido ao comparecer no Congresso em 23 de outubro. “Esclarecemos nosso ponto de vista (sobre a Libra)“, disse ele, em resposta a uma pergunta do deputado Juan Vargas, do Partido Democrata.

Esse esclarecimento inclui um compromisso de afastar o Facebook da Libra, caso não seja aprovada pelos reguladores dos Estados Unidos; o reposicionamento da Libra como um sistema de pagamento, em vez de uma moeda; e a admissão de que sua blockchain não era, de fato, descentralizada, como a maioria das criptomoedas.

Zuckerberg disse que o Facebook sairia da Associação Libra, se esta fosse adiante e lançasse uma criptomoeda que não fosse aprovada pelos reguladores dos Estados Unidos.

“Nós não a lançaremos aqui ou em qualquer outro lugar do mundo até obtermos a aprovação do FSOC (Conselho de Supervisão de Estabilidade Financeira, na sigla em inglês)“, afirmou o executivo.

O compromisso de Mark Zuckerberg é um nítido afastamento das não garantias dadas ao Congresso em julho, por seu colega David Marcus, de que sua equipe atuaria com os reguladores, mesmo que continuasse trabalhando no projeto.

A Associação Libra perdeu um quarto de seus parceiros e a moeda proposta está sendo criticada por reguladores em todo o mundo. A saída do Facebook seria mais um golpe em sua existência e poderia comprometer sua própria sobrevivência.

Desde que foi anunciada, em junho, a Libra tem sido objeto de intenso escrutínio governamental e regulatório. As preocupações com a criptomoeda variaram entre seu possível efeito na política monetária do governo e as implicações de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo emitir a própria moeda para transações em sua plataforma.

As audiências de 23 de outubro refletiram essas preocupações e acrescentaram um pouco mais, incluindo a diversidade e o status da Libra. A deputada Joyce Beatty, do Partido Democrata, levou Zuckerberg a se responsabilizar por não nomear o escritório de advocacia de direitos civis que o Facebook contratou em Washington DC, enquanto a deputada Al Green, do Partido Democrata, destacou a ignorância do CEO do Facebook sobre a diversidade no Conselho da Libra.

Os congressistas também se concentraram no histórico do Facebook sobre esses tópicos para defender a Libra. Por exemplo, a deputada Nydia Velasquez, do Partido Democrata, apontou o pagamento de uma multa do Facebook às autoridades da UE por compartilhar dados entre o WhatsApp, sua plataforma de mensagens e a rede social, como prova de que o Facebook não era confiável. “Você aprendeu (com a multa) que não deve mentir?”, perguntou a Zuckerberg. Mas ele não conseguiu dar respostas claras para a maioria das perguntas.

Estrutura centralizada

Entretanto, Mark Zuckerberg também deixou escapar que a estrutura da Libra estava centralizada. “Como uma grande empresa, não faremos nada descentralizado”, disse ele à deputada Carolyn Mahoney, do Partido Democrata.

A estrutura centralizada da Libra, que viola um dos princípios fundamentais de criptomoedas descentralizadas como o Bitcoin, é, certamente, um segredo aberto dentro da comunidade crypto. Os puristas recusaram sua estrutura, que coloca empresas multinacionais e organizações sem fins lucrativos no topo e inclui vendedores autorizados da moeda.

Na audiência do Congresso de 23 de outubro, Zuckerberg rapidamente corrigiu seu atropelo verbal e disse depois ao deputado Vincente Gonzalez, do Partido Democrata, que a descentralização era uma aspiração e um objetivo, mas não estava necessariamente decidida.

Regulação da Libra ainda é um mistério

Durante a audiência, Zuckerberg manteve a perspectiva de que a implementação e os planos da Libra pudessem mudar com base nas circunstâncias e no engajamento regulatório.

Quando o deputado Lance Gooden, do Partido Republicano, perguntou a ele sobre os dividendos que, inicialmente, esperava-se que os membros da Associação Libra recebessem, por conta do investimento de US$ 10 milhões, Zuckerberg hesitou. “Essa ideia se modificou ou foi abandonada”, contou o CEO do Facebook. Um pagamento de dividendos poderia potencialmente configurar a Libra para ser regulamentada como uma garantia, de acordo com as regras existentes da SEC.

Ele também disse ao deputado Ed Perlmutter, do Partido Democrata, que a Libra era um sistema de pagamento e não “dinheiro”. A distinção é importante porque pode significar que o blockchain pode ser liberado sem sua moeda.

Nesse sentido, Zuckerberg também deixou a porta aberta nas audiências de hoje para que a Libra fosse lançada com “moedas soberanas individuais” em formato digital, em vez de uma moeda aceita globalmente. Com governos em todo o mundo trabalhando ou ponderando sobre equivalentes digitais de suas moedas fiduciárias, a ideia pode ganhar força regulatória e será mais fácil de ser levada pela Associação.

“Nós claramente não entendemos como isso vai funcionar”, falou Zuckerberg.

Esse pode ser o eufemismo do ano.

* Imagem de Facebook Newsroom
Fonte: Decrypt

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Foto de Simone Gondim O autor:

Jornalista, revisora e roteirista, apaixonada por tecnologia e especializada em conteúdo.