Usuários de Ethereum estão perdendo dinheiro, desenvolvedores não sabem o que fazer

Ethereum se encontra, mais uma vez, em uma encruzilhada.

Embora o valor da ether tenha aumentado (e já tenha sido corrigida) em 2018, uma coisa se manteve constante – usuários continuam perdendo dinheiro por conta de hacks, códigos falhos e erro humano. Este é um problema que, no passado, dividiu a plataforma em forças rivais e deixou debates em aberto – conforme atividades recentes no GitHub mostram, a tensão está escalando novamente.

Por trás do reacendimento da chama dos debates em aberto, está um chat formado após a perda de 513000 ether pela startup Parity, no ano passado. O fórum ganhou vida novamente após a publicação de um esboço, que trata de como deveriam ser padronizadas as propostas de recuperação de fundos, de forma a tornar mais fácil sua implementação.

Esta é a segunda grande ação em relação ao ocorrido à Parity, sendo a primeira a elaboração de possíveis métodos de recuperar as moedas perdidas, sendo esta proposta veementemente rejeitada.

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Liderada pelo desenvolvedor Dan Phifer, da Musiconomi (ICO emissora que perdeu 16475 ether durante a paralisação ocasionada pelo rombo na Parity), e outros dois desenvolvedores de uma startup chamada Tap Trust, o documento oferece uma forma de facilitar aos usuários de ethereum a implementação das chamadas state changes, ou “atualizações de sistema”, o que requer que todos os usuários atualizem seus respectivos softwares para versões onde os fundos são redistribuídos.

Até o momento, alguns discordam firmemente da necessidade de tal mecanismo, sugerindo que tal ideia não está em conformidade com o ethos do segundo maior protocolo blockchain do mundo.

Inclusive, esta ideia já foi rejeitada pelo criador do ethereum, Vitalik Buterin; pelo proeminente desenvolvedor, Yoichi Hirai; e pelo gerente de comunicações, Hudson Jameson – três dos seis que gerenciam o repositório de ethereum e, desta forma, possuem poder para dar aval a possíveis mudanças na plataforma.

Hirai, por exemplo, argumentou que a proposta está “em conflito com a filosofia do ethereum,” declarando ainda que “não moverá um dedo” para que tais mudanças ocorram.

Da mesma forma, Alex Van de Sande, fundador do browser em ethereum Mist, escreveu no Github que as mudanças requeridas para retornar fundos perdidos devem ser “raras e muito excepcionais.”

Contudo, tais sentimentos contrastam com os desenvolvedores por trás das recomendações, como Afri Schoedon, da Parity:

“State changes não são um precedente ruim. Isto mostra que estamos trabalhando em uma plataforma capaz de curar ferimentos.”

Revelando cicatrizes antigas

Toda essa controvérsia traz de volta o hack da DAO, ocorrido em 2016, onde 3,6 milhões de ether – cotados em $2,6 bilhões, se considerados os valores atuais – foram tiradas das wallets de seus usuários por uma pessoa que se aproveitou de um loophole no código

Em resposta, desenvolvedores implementaram uma atualização que reverteu o roubo da DAO, ainda que boa parte da comunidade fosse contrária à ideia. Por conta do debate acalorado sobre sua filosofia, um grupo de entusiastas criou um hard fork do ethereum, dando vida à ethereum classic, moeda concorrente e atualmente avaliada em $1,7 bilhão.

“Este acontecimento deixou muitas cicatrizes, dividiu a comunidade e gerou argumentos que aqueles contrários ao ethereum não se cansam de usar,” afirmou Van de Sande.

Quando o exploit da Parity ocorreu, tensões acerca do ocorrido acima mencionado ressurgiram.

Apesar da Parity ser rápida em oferecer uma solução, esta requereu que todos os usuários atualizassem seus sistemas novamente, sendo esta solução criticada por muitas pessoas. Integrando a discussão, uma enxurrada de vozes prontamente afirmou que nenhum fork deveria ocorrer, tendo em vista os ecos do incidente ocorrido com a DAO no ano passado.

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Entretanto, enquanto o fork da DAO levou muitos desenvolvedores de ethereum a adotarem cautela, outros mantém uma postura mais liberal.

Schoedon afirmou:

“Eu acredito que muitas pessoas estejam amedrontadas após o hard fork da DAO. Isso causou muita publicidade ruim. Mas, honestamente, foi uma boa decisão, pois mostrou que a comunidade ethereum não é tão cabeça dura em relação à premissa ‘código é lei,’ sendo capaz de agir rapidamente.”

Simplesmente não tão simples

Ainda assim, alguns acreditam que todas as opções devem ser consideradas, e a nova proposta que promete o retorno de fundos perdidos pode ser feita de maneira mais simples, envolvendo ambas as organizações afetadas e influencers confiáveis.

Os últimos comentários, contudo, provaram-se para-raios, tidos como encorajadores de uma forma de gerenciamento centralizado.

Em resposta a essas declarações, Hirai escreveu no Github:

“Os autores continuam procurando por uma certa classe de pessoas que possam fazer julgamentos. Estão procurando por autoridades… falhas pontuais e necessidade de confiança são coisas que o ethereum tenta evitar.”

Hirai prosseguiu:

 “Cada usuário de ethereum é responsável pelo seu uso.”

Desta forma, fundos perdidos na plataforma devem ser compensados através de doações, não através de mudanças no software, ele completou.

A discussão no GitHub espelha o conservadorismo de Hirai e, além disso, Van de Sande alerta que, apesar dos padrões para recuperação de fundos terem sido criados de boa fé, eles podem ser utilizados em esquemas de corrupção, suborno, e poderiam criar “um sistema que pode ser terrivelmente abusado no futuro.”

Subsistência em risco

Na mesma linha, indagações emergiram sobre os desenvolvedores que se mostraram contrários à proposta possuírem autoridade para bloquear a mudança, antes que ela seja utilizada pelos usuários.

Schoedon afirma que a recusa de Hirai permite que os usuários vejam o código sob a forma de um “conflito de interesses”, destacando o fato de figuras proeminentes já possuírem grande influência sobre as decisões envolvendo desenvolvimento do protocolo.

O desenvolvedor de ethereum, Nick Johnson, que também é listado como um editor do repositório de ethereum, adotou uma posição semelhante, afirmando:

“O papel dos editores não é determinar quais requisitos devem ser incluídos no blockchain, mas tão somente determinar quais requisitos são minimamente plausíveis para serem factualmente precisos.”

Enquanto isso, uma das grandes vozes por trás das mudanças sugeridas, Dan Phifer, insistiu que a comunidade aceite o risco de recuperação, tendo em vista não haver pontos negativos perceptíveis, e o fato de que as perdas não recuperadas impactam nos negócios e na sobrevivência dos usuários. Ele continuou, dizendo que o problema com os fundos perdidos se tornará mais grave com o passar do tempo, colocando tensão na network ethereum.

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Phifer não está sozinho.

Embora o hack da DAO e a paralisação da Parity representam os incidentes mais famosos, casos de fundos perdidos por usuários são tidos como relativamente comuns.

Um erro de digitação no endereço de uma wallet pode deletar fundos permanentemente, e ataques a smart contracts não seguros são frequentes. O criador da litecoin, Charlie Lee, chegou a afirmar no ano passado que o ethereum é o “paraíso dos hackers”.

Tratando da necessidade de um refresh no código, em caso de erros, Schoedon afirma:

“Ethereum não é uma construção estática. Ethereum é o que nós queremos ser. É sempre um processo, uma transição. Isso inclui discussões e, sim, inclui resolver conflitos. No fim, sempre haverá consenso.”

Fonte: CoinDesk

Edição: Webitcoin