Entendendo criptomoedas: é preciso entender primeiro o surgimento do dinheiro

Para entender criptomoedas, alguns conceitos devem ser esclarecidos antes

É basicamente o que diz o título. Um amigo meu, entusiasta das criptomoedas desde 2016, passou um ano tentando me explicar o que eram as criptos. As dúvidas eram sempre as mesmas.

“Mas como códigos de computador valem DINHEIRO?”;

“Mas é só no computador, não tem nota?”;

“Que lance doido, a próprio comunidade minera mais moeda? Minerar é criar mais dinheiro, né?”

E por aí vai. Tenho certeza que algumas pessoas que estão lendo esse artigo agora já estiveram na mesma posição que eu, e outras ainda estão. Por conta disso, vou tentar explicar para vocês da mesma forma como fizeram comigo.

Meu amigo, muito paciente, disse que eu precisaria entender primeiro como funciona o dinheiro. “Mas eu entendo!”, eu respondi. Talvez até entendesse, mas eu estava longe de entender o sistema financeiro. Ele disse que, entendendo o sistema financeiro, eu entenderia as criptomoedas. Foi o bastante.

Ele me enviou o documentário “Bitcoin: O Fim do Dinheiro como Conhecemos“, e eu resolvi assistir. O que será narrado a seguir é um resumo do documentário, na tentativa de fazer com que os leitores ainda perdidos na cripto esfera se encontrem.

Criação das moedas

Antes mesmo da chamada “civilização”, quando o ser humano passou a viver em sociedade, ele viu a necessidade de criar a moeda. A moeda, de acordo com Andreas Antonopoulos, é uma linguagem que nos permite expressar valor transacional entre as pessoas. Enquanto os seres humanos viviam em pequenas tribos, essa “moeda” poderia ser lenha, carne, ou qualquer outro tipo de bem.

Contudo, quando tribos começaram a negociar entre si, surgiu a necessidade de algo comum que tivesse valor. Aqui, surge o “dinheiro de commodities“. Moedas deveriam possuir cinco características para serem “dinheiro inter negociável”: relativamente escassa, facilmente reconhecida, divisível (à época, cotada em pedaços menores), fungível (à época, os pedaços poderiam ser trocados entre si) e portável. Em Roma, era sal. Os astecas utilizavam grãos de cacau. China e África utilizavam conchas. Você pegou a ideia.

O problema com esse modelo é que, descoberta uma nova mina de sal ou ocorrendo uma colheita ruim de cacau, o valor destas “moedas” fica balançado. Então, na China, há 2500 anos, foram cunhadas as primeiras moedas, mantendo as cinco características dos dinheiros de commodities. É importante ressaltar, conforme Gene Epstein fala durante o documentário, que dinheiro não surge com governos: surge com mercados. Surge da necessidade de um grupo trocar seus ovos pela vaca de outro grupo. É um meio de troca comum. É uma unidade de contabilidade universal.

Então, começam os problemas que perduram até hoje no dinheiro: confiança. Para que uma moeda fosse válida, era preciso confiar no rei ou imperador que mandou cunhá-las. Era preciso confiar que ele não estava cunhando tais moedas com metais baratos. Pela primeira vez uma autoridade controlava o suprimento de dinheiro.

Dinheiro e política se tornaram ligados, e isso permitiu o crescimento e estabilidade econômica. Moedas de diferentes regiões mantiveram seus valores durante anos. Entretanto, os reis começaram a substituir o ouro e prata utilizados para cunhar as moedas por metais baratos – a preocupação inicial. Esse processo é chamado de degradação. E então, começam os problemas diplomáticos de confiança: se eu não posso confiar no ouro e prata constantes da sua moeda, como eu posso fazer negócios com você?

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Notas promissórias e o “dinheiro de papel”

Foi nesse momento que os Medici, família mercante da Itália pré-Renascimento, entenderam algo que vinha atrelado ao dinheiro: dívidas. As dívidas então passaram a ser negociadas e transferidas por meio de notas promissórias. Elas agiam como uma forma de dinheiro, quando vindas de uma fonte respeitada e confiável – por respeitada e confiável, entende-se que é uma fonte capaz de realmente lastrear essas promissórias com dinheiro.

Com o surgimento das notas promissórias, surge o papel moeda. Não é mais preciso carregar quilos de metais e commodities, mas tão somente um título com uma promessa de pagamento. Por exemplo: um comerciante inglês solicita um carregamento de tecido dos Medici, no valor de 100 moedas de ouro. Eles prometem pagar os Medici e colocam essa promessa no papel – esta é uma promessa para receber 100 moedas de ouro. Os Medici, por sua vez, devem 100 moedas de ouro a um fornecedor na França. O ouro então não é transferido, apenas a nota promissória (com a promessa de pagamento das moedas) obtida do comerciante inglês é transferida.

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Isso só é possível porque ambas as partes confiam nos Medici e na capacidade de solvência da família. O resto é história. Os Medici ascenderam na Itália, conseguiram privilégios como casamentos com famílias reais, possibilidade de serem eleitos como papas, dentre outras coisas permitidas somente a nobres. Poder, política, dinheiro e religião andavam de mãos dadas.

Mas outra coisa importante surgiu disso: os mercadores provaram que “dinheiro em nota” era lucrativo, e os ourives da época quiseram lucrar também com esse sistema. Com o dinheiro em notas promissórias, as pessoas não queriam mais moedas. Então, os ourives começaram a emprestar essas moedas de ouro à comunidade, com juros – é o empréstimo no formato que conhecemos hoje.

Com o tempo, os ourives perceberam que as pessoas pouco se importavam com as moedas. Elas queriam apenas o pedaço de papel que dizia que elas detinham tais moedas, e que elas estavam com os ourives e com os bancos. Confiando no papel, confiava-se na instituição. Foi quando os bancos ganharam o poder de “imprimir dinheiro”.

Porém, como sempre acontece com dinheiro, outro problema surgiu: as notas promissórias começaram a competir com as moedas do governo. Desta forma, o governo lentamente passou a perder o controle sobre o dinheiro – e, como vimos, dinheiro e política estão interligados.

O que acontece depois disso? Confira amanhã aqui no Webitcoin.