Venezuela e criptomoedas: um caso de uso longe do ideal
A adoção de criptomoedas na Venezuela está longe de ser um exemplo sadio
O Webitcoin já veiculou diversos artigos focados em como as criptomoedas estão ganhando tração na Venezuela. Seja por meio de programas através dos quais as criptomoedas podem ser enviadas por SMS, pelo suporte que redes de fast food dedicam ao aceite de criptos, e até mesmo uma grande cadeia de lojas de departamento do país se rendeu às criptos.
Essas informações, aliadas a outras notícias que, por exemplo, exibem um aumento no uso de Bitcoin no país, passam uma sensação de que o país está adotando de forma sadia as criptos. Porém, tal conclusão se distancia do cenário real.
Em um artigo publicado ontem no cripto veículo de notícias CoinDesk, Leigh Cuen traçou um panorama sobre como os venezuelanos estão aprendendo sobre criptomoedas, exposto por meio de pessoas que vivenciam ou vivenciaram o cenário.
Citando David Díaz, que deixou a Venezuela e atualmente trabalha na Blockchain Academy em Buenos Aires, o mesmo afirmou que os venezuelanos estão aprendendo sobre criptomoedas por meio de uma exposição forçada pelo governo – por meio do token estatal, Petro. Um bom exemplo disso é o recente caso em que os saldos de aposentaria estavam sendo substituídos por petros, sem o consentimento dos beneficiários.
Díaz acrescenta que muitos não conhecem as reais funcionalidades do Bitcoin, servindo apenas como uma forma para obter acesso a bens e serviços em um país que definha economicamente. Em resposta, ele e Jorge Farias, que também deixou a Venezuela e agora faz parte da startup Cryptobuyer, do Panamá, oferecerão cursos gratuitos de Bitcoin aos cidadãos venezuelanos, que também envolverão programação. Os cursos serão disponibilizados na Argentina, Venezuela e Panamá, e terão início em fevereiro.
O esforço educacional não visa apenas elucidar o lado econômico dos cripto ativos, mas também a capacidade de subverter a pressão governamental imposta. Eduardo Gomez, chefe da área de suporte na startup Purse que recentemente se mudou para a Argentina, explicou que utiliza uma exchange venezuelana, LocalBitcoins, para enviar dinheiro para sua mãe, que ainda vive no país. Ele é citado na publicação:
“O governo disse aos bancos privados e estatais que IPs externos não devem ter acesso a contas bancárias. O governo quer controlar os serviços de emissão.”
Bitcoin e migração
Note-se que todas as pessoas mencionadas até então deixaram a Venezuela e buscaram outros países da América Latina para viver. Com propriedade, eles falam sobre como o Bitcoin pode auxiliar na “fuga” do país.
“Carregar dinheiro é arriscado. Qualquer objetivo valioso, como joias, é arriscado. Bitcoin ajudou bastante porque nós não precisamos carregar nada físico. Nós viemos para a Argentina e todas as nossas economias estavam em criptomoedas”, afirmou Gomez.
Gomez falou ainda sobre as criptomoedas e a capacidade de suplementar serviços bancários. Ao chegar na Argentina, ele afirmou que não tinha contas bancárias, tendo que recorrer à comunidade cripto para liquidar suas economias. Ele explica:
“Esse é um caso de uso real, mas não é algo que muitas pessoas fazem porque elas não sabem que é possível. Se a interface para usuários não ficar mais simples, nós não veremos este tipo de coisa operando em escala.”
Díaz fala ainda sobre a comunidade venezuelana de criptomoedas precisar “se esconder”, com medo de autoridades corruptas descobrirem que pessoas possuem criptomoedas. Ele afirmou:
“Há uma comunidade na Venezuela, mas ela fica escondida. Na Argentina, eu encontrei uma comunidade mais aberta. Nós temos encontros regulares.”
Alguns projetos venezuelanos ainda fazem o que podem, como a EOS Venezuela, que fornece liquidez para tokens EOS. Contudo, tais iniciativas são novas e não chegam ao conhecimento do grande público.
Outro projeto, e este toca na questão de imigração para o Brasil, também fez esforços para ajudar os venezuelanos. Em sua fase beta, a carteira Bonnum, projeto brasileiro, descobriu pessoas na fronteira entre Brasil e Venezuela que estavam utilizando EOS para comprarem suprimentos de vendedores locais. Foi feito então um esforço para facilitar o recebimento das criptomoedas, consequentemente facilitando a aquisição de bens pelas famílias que buscavam deixar o país.
Um longo caminho
Considerando estes breves casos de pessoas que vivenciam a situação das criptomoedas na Venezuela, nota-se com facilidade que o caso de uso das criptomoedas no país é mais uma questão de sobrevivência – quase uma obrigação – do que algo espontâneo, com seus próprios méritos.
Ademais, a diferença no conhecimento da tecnologia ainda assusta no país: onde muitos utilizam criptos para comprar shampoo, e outros para comprar o almoço do dia seguinte. Iniciativas como estas elencadas no artigo realizam um papel importante para corrigir um caso de uso eivado de vícios, ajudando as pessoas que agora necessitam das criptomoedas para sobreviverem. Entretanto, elas ainda estão iniciando seus esforços, e a luta já não parece justa.
Portanto, apesar da adoção das criptos na terra governada por Nicolas Maduro, as coisas não são o que parecem. Há ainda um longo caminho para que os ativos digitais tenham um relacionamento sadio no país.